Político da oposição ucraniana: “Não devemos transformar a Ucrânia num regime autoritário”

Para o mundo exterior, a Ucrânia parece unida, com um presidente no comando que mantém o país unido e nunca desistiu de sua crença na vitória. E nunca desistirá. Essa impressão é enganosa, diz um político da oposição que não quis ser identificado em uma entrevista ao Berliner Zeitung.
Nos bastidores da mídia, políticos, militares e a sociedade civil se debatem com a corrupção, as tensões políticas e a questão de como a oposição pode funcionar em um país em guerra há três anos. Seu partido precisa manter um equilíbrio entre o apoio à defesa nacional e a manutenção do controle político.
Na segunda-feira, chefes de Estado e de governo europeus viajaram a Washington com o presidente Zelensky para discutir os resultados da Cúpula do Alasca com o presidente Trump e possíveis maneiras de pôr fim à guerra na Ucrânia. Como o senhor avalia o papel de Trump nos esforços de paz até o momento?
Somos profundamente gratos ao Presidente Trump por seus tremendos esforços para pôr fim à sangrenta guerra na Ucrânia e abrir caminho para a paz. Sua eleição abriu uma nova janela de oportunidade para pôr fim aos conflitos.
O que você acha que mudou desde então?
Em comparação com o governo Biden, há diferenças claras. O presidente Biden concentrou-se em ajudar a Ucrânia a alcançar a vitória militar — por meio de sanções contra a Rússia e do fornecimento de armas. Mas o componente diplomático frequentemente ficou em segundo plano. O presidente Trump, por outro lado, retomou a diplomacia e enfatizou o fim da guerra, mas sem se concentrar no fortalecimento da Ucrânia. O que a Ucrânia realmente precisa não é de uma abordagem de "ou isto ou aquilo", mas de uma combinação de ambas: apoio militar e econômico robusto, acompanhado de uma diplomacia decisiva para alcançar uma paz justa e duradoura.
O que você quer dizer exatamente quando afirma que a Ucrânia precisa ser “fortalecida”?
Força significa ação. Para a Ucrânia, isso significa principalmente armas. Estas incluem não apenas sistemas modernos de defesa aérea como os sistemas Patriot, mas também armas ofensivas e mísseis de longo alcance. Mas força também significa impor sanções mais duras. A empresa nuclear estatal russa Rosatom deve finalmente ser cortada. Todos os bancos russos devem ser excluídos do sistema SWIFT. E os ativos russos congelados na Europa, aproximadamente € 230 a € 240 bilhões, devem ser confiscados. Usar esse dinheiro para defender a Ucrânia transferiria o ônus do contribuinte para o agressor. O presidente Trump diz que pode trazer a paz, mas parece menos interessado nas condições sob as quais ela pode ser alcançada. É por isso que a Europa e a Ucrânia devem definir essas condições em conjunto: uma paz justa que garanta nossa independência, segurança e nosso futuro europeu.
Trump abriu uma janela de oportunidade, mas ainda cabe à Europa definir as condições para a paz?
Correto. Não sou contra a ideia de Trump de que a Europa deve assumir mais responsabilidade pela paz e segurança. Pelo contrário, ele tem razão. Mas a Europa precisa passar das palavras à ação. Com muita frequência ouvimos falar de coalizões, sanções ou mesmo tropas terrestres, mas, no fim das contas, tudo se resume a palavras. Porque falta determinação e coragem. Apoiar a Ucrânia não é caridade, mas um investimento na segurança da própria Europa. Cada euro, cada arma, cada sanção fortalece não apenas as capacidades de defesa da Ucrânia, mas também a estabilidade e a credibilidade da Europa a longo prazo.
Desde a cúpula do Alasca, fala-se em uma força multinacional na Ucrânia como parte das garantias de segurança após um possível cessar-fogo ou acordo de paz. Na Alemanha, isso gerou um debate sobre o envio de soldados da Bundeswehr. O senhor seria a favor de permitir que soldados alemães lutassem na Ucrânia?
Não quero tomar decisões precipitadas nem alimentar especulações. As modalidades de garantias de segurança para a Ucrânia estão sendo desenvolvidas, incluindo o papel das tropas estrangeiras. O que posso dizer é que a Ucrânia já mobilizou um milhão de seus cidadãos. Nossas Forças Armadas são fortes, disciplinadas e motivadas. Elas são nosso verdadeiro trunfo.
Qual é a estratégia de segurança de longo prazo da Ucrânia?
Existem dois níveis de segurança. Externamente, cinco elementos são cruciais: sistemas de armas modernos, sanções mais severas, uso de ativos russos congelados, investimento no setor de defesa ucraniano e progresso constante rumo à adesão à UE e à OTAN. Internamente, a Ucrânia precisa fortalecer a unidade das forças políticas e consolidar as instituições democráticas. Sem essa força interna, nossa posição de negociação permanece vulnerável.

Você fala da necessidade de unidade política – há desunião na Ucrânia?
No início da invasão em larga escala, a Ucrânia desfrutou de uma rara e forte unidade. Por aproximadamente seis a nove meses, o governo e a oposição permaneceram unidos em uma frente nacional. Essa unidade nos permitiu expulsar a Rússia de Kiev e, posteriormente, libertar Kherson e Kharkiv. Lembro-me bem do Presidente Poroshenko dizendo ao Presidente Zelensky em 24 de fevereiro de 2022: "A partir desta hora, não sou mais seu adversário. Nosso inimigo comum é Putin." Esse espírito de solidariedade nacional foi crucial para nossa sobrevivência. Enviou uma mensagem clara aos ucranianos e aos nossos parceiros no exterior: apesar das diferenças políticas, permanecemos unidos quando o país está em jogo. Hoje, precisamos restaurar e fortalecer essa unidade. Sem ela, nossa posição de negociação é mais fraca. Putin tentará explorar nossas divisões. Com ela, a Ucrânia se tornará um parceiro mais forte, um candidato mais confiável à adesão à UE e à OTAN e uma nação capaz de alcançar a paz em termos justos.
O que aconteceu depois desses seis a nove meses?
A Ucrânia retornou às lutas políticas — investigações contra prefeitos, pressão sobre a oposição e restrições à mídia. Foi um erro perigoso. Em tempos de guerra, conflitos internos nos enfraquecem e favorecem Putin. Somente a unidade e a democracia tornarão a Ucrânia mais forte na mesa de negociações.
Isso significa que a democracia está em risco na Ucrânia durante a guerra?
Infelizmente, sim. A lei marcial permite a censura militar, mas não a censura política. No entanto, a oposição enfrenta hoje restrições que enfraquecem a nossa democracia e minam a confiança dos nossos parceiros internacionais. Os membros do parlamento estão impedidos de viajar para o estrangeiro, mesmo para trabalho diplomático. O líder da oposição não foi autorizado a deixar o país, mesmo quando convidado pela UE ou pela Casa Branca. A diversidade dos meios de comunicação está a diminuir e as figuras da oposição estão sujeitas a sanções extrajudiciais. Estas medidas não são apenas inconstitucionais, mas também contraproducentes. Elas minam a credibilidade da Ucrânia no preciso momento em que devemos demonstrar resiliência democrática para garantir a adesão à UE e as garantias de segurança internacional. Quanto mais forte for a nossa democracia, mais forte será a nossa posição de negociação. Se demonstrarmos unidade interna, abertura política e compromisso com os valores democráticos, nem Putin nem os céticos na Europa poderão questionar a vontade da Ucrânia de se integrar.
A corrupção ainda é um grande problema na Ucrânia?
A corrupção é uma das maiores preocupações dos ucranianos. Isso não mudou desde o início da guerra. Algumas pessoas continuam a explorar brechas e lucrar com a guerra. Isso prejudica a confiança pública, especialmente quando ucranianos sacrificam suas vidas na linha de frente. No entanto, os ucranianos são os maiores impulsionadores das reformas anticorrupção. A sociedade civil, os jornalistas e os cidadãos não toleram mais a corrupção, e os parceiros internacionais também pressionam por mudanças. O desafio é incorporar as reformas sistemicamente e protegê-las da influência política. A corrupção não é apenas uma questão moral, mas uma questão de segurança nacional. Cada euro roubado do orçamento do Estado enfraquece nossas defesas. Portanto, o combate à corrupção é tão importante para a vitória da Ucrânia quanto o fornecimento de armas.
Quem ou o que você culpa pela corrupção desenfreada?
Devido à lei marcial e aos amplos poderes das autoridades, atualmente há pouca supervisão e responsabilização efetivas. Instituições anticorrupção e mecanismos de revisão democrática foram amplamente adiados. Sem uma supervisão eficaz, as autoridades podem operar praticamente sem controle.
O que os parceiros ocidentais podem fazer para combater a corrupção?
Os parceiros ocidentais dispõem de ferramentas eficazes para combater a corrupção, mas devem utilizá-las de forma consistente. A UE, em particular, tem uma forte influência nas negociações de adesão. Bruxelas deve utilizar essas alavancas especificamente para impulsionar reformas anticorrupção. Até recentemente, existia um tabu informal contra a crítica aberta às autoridades ucranianas. Isso precisa mudar. Se algo correr mal, os parceiros devem declarar isso claramente. A liderança ucraniana reage com extrema sensibilidade a tudo o que se relaciona com a adesão à UE, e este é precisamente o meio mais eficaz de exercer pressão. O Ocidente não deve apenas apoiar a Ucrânia militarmente, mas também pressionar por reformas internas de longo alcance. Caso contrário, corremos o risco de vencer a guerra, mas perder a paz.
O que você quer dizer com “perder a paz”?
Não devemos transformar a Ucrânia em um regime autoritário enquanto lutamos contra o autoritário Putin. A democracia é crucial para a resiliência e a vitória. Nosso inimigo é Putin, não nós mesmos. Unidade, democracia e responsabilização são tão importantes quanto armas. Nos EUA, a China é agora frequentemente considerada o principal adversário, não a Rússia. Isso significa que a Ucrânia está perdendo importância estratégica? Discordo. A Rússia é a ameaça mais imediata e existencial tanto para os Estados Unidos quanto para a Europa. A China representa um desafio de longo prazo, sim — mas a Rússia está travando uma guerra brutal contra a Ucrânia hoje e desestabilizando todo o continente europeu. Ver a Rússia como uma preocupação secundária é uma ilusão perigosa. Se a Ucrânia cair, a arquitetura de segurança europeia entrará em colapso, a credibilidade da OTAN será enfraquecida, as garantias de segurança dos EUA serão desafiadas e regimes autoritários em todo o mundo serão encorajados. Apoiar a Ucrânia, portanto, não é caridade. É um investimento crucial na segurança transatlântica e na sobrevivência da ordem baseada em regras.

A identidade nacional da Ucrânia é mais forte hoje do que era antes do início da guerra, em fevereiro de 2022?
Sim, apesar de todos os desafios à nossa democracia, a Ucrânia é forte hoje – graças às nossas Forças Armadas, à nossa resiliência e à nossa identidade inabalável. Nossos alicerces nacionais – exército, língua e fé – nunca foram tão fortes. Aprendemos a viver em dois mundos ao mesmo tempo: noites sob fogo de foguetes e dias dominados pelo trabalho, pela família e pela rotina diária. Essa dupla realidade fomentou uma resiliência extraordinária. Nossa força se mede não apenas pelas armas, mas sobretudo pela vontade inabalável do nosso povo de viver livremente. É precisamente isso que torna a Ucrânia não apenas capaz de resistir à agressão russa, mas também digna de ocupar seu lugar na família europeia.
Você mencionou o que acredita ser necessário para a vitória. Mas o que "vitória" significa para você?
Para mim, vitória significa preservar a Ucrânia como uma nação soberana e independente, com uma perspectiva clara e irreversível de adesão à UE e à OTAN. Significa preservar nossa identidade — nossas forças armadas, nossa língua e nossa fé. Esses não são valores abstratos. São os próprios fundamentos de nossa soberania e resiliência. O objetivo de Putin não se limita à Crimeia ou ao Donbass. Seu objetivo é toda a Ucrânia — apagar nossa independência e nos atrair de volta à esfera de influência russa. É por isso que nossa independência é inegociável e nosso país não está à venda. Territórios podem ser libertados mais cedo ou mais tarde, mas a essência da vitória é esta: a Ucrânia deve permanecer independente, soberana, democrática e livre para escolher seu próprio futuro. É isso que a vitória significa para mim e para o povo ucraniano.
Berliner-zeitung