Espionagem holandesa, tempura portuguesa e o dólar espanhol: como as Guerras das Especiarias do século XVI mudaram o mundo

O século XVI marca o início do nosso mundo moderno globalizado. Um mundo inicialmente impulsionado pelo desejo de luxo e pelas propriedades milagrosas atribuídas às especiarias. Aliado ao desejo de eliminar os intermediários islâmicos que tanto lucravam com o comércio de noz-moscada e cravo, Colombo já buscava especiarias asiáticas, mas, no caminho, encontrou a América. Os portugueses chegariam de fato às Molucas, as Ilhas das Especiarias, em 1512. Começaria um grande jogo no qual enfrentariam os espanhóis, com os britânicos também entrando na briga, e, finalmente, os holandeses. No processo, os espanhóis até circunavegariam o globo — embora Magalhães morresse em seus excessos quando, acreditando-se quase sobre-humano, enfrentou os povos locais com poucos homens — e os ingleses circunavegariam o Ártico, contornando a Rússia. Os impulsos europeus que mudariam o mundo foram postos em movimento, levando ao comércio global e à colonização.

O historiador britânico Roger Crowley, autor de 'Spices'
EDITORIAL / Terceiros“No século XVI, houve um crescimento na exploração, informação e cartografia. Nosso conhecimento do mundo cresceu. Com a imprensa, temos de 150 a 200 milhões de cópias de livros impressos. Foi uma época extraordinária; a Europa avançava mais rápido, e a importância do comércio de especiarias para impulsionar este século é subestimada”, observa o historiador britânico Roger Crowley, que publicou "Especiarias" (Ático de los Libros), o relato da chegada dos portugueses às Molucas em 1512 até a fundação de Manila em 1571 por Miguel López de Legazpi. A história de um século explosivo.
O dólar espanhol se tornou uma moeda global e a espionagem ajudou a Holanda a obter especiarias.“As pessoas têm dificuldade em entender por que as especiarias eram importantes. Marco Polo voltou com histórias extraordinárias. Ele falou sobre especiarias. E elas cativaram a imaginação da Europa. Elas representam uma espécie de paraíso. As pessoas as consideram medicinais, analgésicas, afrodisíacas. E eram muito caras porque seu comércio passa por muitos comerciantes. O custo na Europa é dez vezes maior do que na origem. Elas têm uma aura de luxo. Somado a isso, a Europa no início do século XVI sofria de claustrofobia porque o Império Otomano a havia entrincheirado no leste. Portanto, o acesso ao comércio de especiarias requer acesso ao Atlântico. E foram os países às suas portas, Espanha e Portugal, que foram os pioneiros na exploração e colonização do mundo pela Europa”, diz Crowley.

Mapa das Ilhas Molucas de 1630
EDITORIAL / Terceiros“O grande jogo”, ele lembra, “foi inicialmente entre Portugal e Espanha, com seus conflitos nas Ilhas das Especiarias, onde travaram uma espécie de pequena e extraordinária batalha. Mas é o início da dominação europeia.” Tanto que o dólar espanhol, o real de prata de oito, se tornará a moeda global: “A descoberta da montanha de prata de Potosí em 1545 quase coincide com a mudança do sistema tributário chinês e a decisão de que os impostos seriam pagos em prata. Há uma convergência. Quando os espanhóis chegaram a Manila e puderam comercializar com a China, eles queriam sua porcelana, seda e outros produtos manufaturados. Tudo isso continua até hoje: a China produz, e nós damos dinheiro a eles. E o dólar de prata espanhol era o meio de pagamento usado por todos no mundo”, diz ele.
A prata flui e permite que o comércio global acelere. "É a consequência da decisão dos sevilhanos e lisboetas de navegar pelo mundo. Os portugueses estabeleceram seus portos de navegação a oeste e os espanhóis a leste. E Sevilha se tornou a cidade da corrida do ouro na Europa no século XVI, com comerciantes de todos os lugares. Tudo decola, e a capacidade de navegar ao redor do mundo foi fundamental", acrescenta.
O comércio será de todos os tipos: os europeus introduziram milho e batata-doce na China, que conseguiu dobrar sua população. Os portugueses introduziram tempurá e armas de fogo no Japão, o que permitiu que um xogunato eliminasse os outros e transformasse o Japão em um único país. A Europa estava repleta de milhões de peças de porcelana Ming, havia escravos... E a criptografia foi desenvolvida: havia espionagem. Apesar disso, ele diz, "Jan Van Linschoten, secretário holandês do Bispo de Goa, roubou muitas informações comerciais dos registros de navegação portugueses. Os holandeses navegaram até as Molucas e destruíram o mercado português; rapidamente conquistaram o controle total do mercado de especiarias."
lavanguardia