Proteção para mães vítimas de abuso: processo contra ex-funcionário do Tesouro desafia o novo Judiciário.


CIDADE DO MÉXICO ( Proceso ) – Três magistrados eleitos por voto popular devem decidir nos próximos dias sobre um recurso no qual Leonel Ramírez Farías, ex-funcionário do Ministério da Fazenda e Crédito Público (SHCP), é acusado de violência doméstica contra sua ex-esposa; o recurso busca que o Estado mexicano proteja mães e crianças vítimas desse problema.
O caso é conhecido como 992 “Las Novias” e trata-se de um litígio estratégico no qual Ingrid Tapia, que fugiu de casa em 2006 devido à violência perpetrada contra ela por Ramírez Farías, busca erradicar cinco critérios jurisprudenciais que, até então, criminalizavam mulheres que precisavam deixar seus lares em decorrência da violência.
O ex-marido de Tapia foi colaborador de Rogelio Ramírez de la O quando este era Secretário da Fazenda.
Quando Ramírez de la O e sua equipe deixaram o Tesouro, Leonel Ramírez Farías tornou-se diretor do Banco Centro-Americano de Integração Econômica (CABEI), conseguindo assim sair do México e evitar, até o momento, ser notificado dos processos judiciais que foram movidos contra ele.
No caso de “Las Novias”, o Primeiro Tribunal Colegiado em Matéria Cível da Cidade do México deverá emitir sua resolução final, embora somente em 19 de setembro a magistrada responsável pela elaboração da minuta da sentença, Fortres Mangas Martínez, tenha recebido o processo, que data de 10 anos atrás e consiste em 11 volumes com milhares de páginas e provas.
A questão será levada aos demais membros do Corpo Colegiado: Cristian Martínez Morales, ex-funcionário do Tribunal Superior de Justiça da Cidade do México, e Araceli Trinidad Delgado, que já pertenceu à Magistratura Federal (PJF) como Juíza Distrital.

Os três membros do Tribunal Colegiado foram eleitos por voto popular nas eleições de 1º de junho, e o último deles, Trinidad Delgado, foi alvo de investigação, juntamente com outros seis juízes, pelo Conselho Judiciário Federal (CJF) por possíveis atos de corrupção, erros em decisões ou maus-tratos a subordinados.
DesconfiançaO coletivo feminista Caso 992 Las Novias enfatizou a importância da resolução que o tribunal poderá emitir.
“Este não é apenas mais um caso, mas um processo emblemático para a consolidação das leis contra a violência vicária, o '3 de 3' contra a violência e o Cadastro Nacional de Devedores de Pensão Alimentícia, pilares normativos promovidos há mais de uma década por mulheres, coletivos e acadêmicos”, explica o coletivo.
Este litígio representa o teste decisivo do chamado 'novo' Poder Judiciário, pois confronta diretamente a constitucionalidade e a convencionalidade dos critérios herdados do regime judicial anterior: critérios que, durante décadas, negaram às mulheres vítimas de abandono parental total e às chefes de famílias monoparentais o direito à restituição e à compensação pela dupla jornada que suportaram – por vezes durante toda a vida – em solidão.
O caso evidenciou as falhas nos processos judiciais que acabam criminalizando mães e seus filhos, mesmo quando estes são vítimas de violência doméstica.
“Em um país onde 30,2 milhões de crianças e adolescentes crescem no colo de uma mãe solteira, o pretexto com que esse direito tem sido historicamente negado – sob o argumento de que a reparação corresponde apenas às crianças – constitui uma flagrante invisibilidade das mães como sujeitos de direitos”, acrescenta o coletivo.
Essa omissão legal contribuiu silenciosamente para perpetuar o ciclo de velhice e pobreza que agora afeta 51% das mães mexicanas com mais de 60 anos, que quase todas chegam à velhice sem bens ou poupança, depois de terem dedicado toda a sua vida a sustentar as famílias e criar gerações inteiras sem qualquer apoio.
O grupo alertou que os magistrados, recém-chegados ao Primeiro Tribunal Colegiado, podem não estar preparados para resolver, em tão pouco tempo, um caso de tamanha magnitude, uma vez que podem reproduzir os antigos critérios discriminatórios que, com o caso 992, procuraram eliminar do sistema judicial mexicano, em vez de se afastarem deles.
“Se isso acontecesse, o tribunal não só reafirmaria décadas de injustiça estrutural, como também perpetuaria uma realidade devastadora: quatro em cada dez mães chegarão à velhice sem qualquer patrimônio, depois de terem investido cada centavo de sua renda no sustento de seus dependentes, em empregos mal remunerados e condicionados pelos horários de cuidado com os filhos”, explica a organização.

Em particular, o recurso direto busca a modificação de cinco critérios em matéria de família para obrigar o Estado mexicano a proteger as mães e seus filhos vítimas de violência doméstica, de modo que as mães sejam reconhecidas como detentoras do direito de proteger a si mesmas e a seus filhos desses problemas.
Isso inclui eliminar o impedimento para que mulheres casadas sob o regime de comunhão de bens tenham acesso à compensação por terem cuidado dos filhos durante o casamento, independentemente de terem trabalhado fora de casa ou não, e erradicar a exigência de que as mulheres comprovem que, durante o casamento, não tiveram as mesmas oportunidades de trabalho por serem mães trabalhadoras para terem acesso à compensação.
Caso o Tribunal Colegiado emita uma sentença contra Ingrid Tapia, ela ainda poderá apresentar um recurso que terá de ser resolvido pelo novo Supremo Tribunal de Justiça da Nação (SCJN).
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