Câmeras corporais não detêm excessos de violência policial em São Paulo

Casos recentes mostram que as câmeras corporais usadas pela Polícia Militar de São Paulo não detêm os excessos policiais que resultaram em morte. A última ocorrência aconteceu na comunidade de Paraisópolis, zona sul paulista, no dia 10 de julho.
Imagens captadas pelo equipamento mostram o momento em que os agentes atiraram na cabeça de Igor Oliveira, de 24 anos, que estava rendido e desarmado.
O caso teve grande repercussão, tanto que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), veio a público dizer que a gravação comprovou que houve “ilegalidade” na ação dos agentes e que a administração governamental não vai tolerar qualquer “desvio” de conduta.
Antes disso, outro caso de destaque foi a gravação da câmera corporal do sargento da Polícia Militar Thiago Guerra, que deu uma coronhada em Kauê Alexandre dos Santos Lima durante uma abordagem em Guaianases, zona leste de São Paulo.
No instante seguinte, a arma do policial dispara e mata Victoria Manoelly dos Santos, de 16 anos, irmã de Kauê. Na ocasião, o policial afirmou que o rapaz tinha dado um tapa na arma, mas o vídeo rebateu o depoimento do sargento.
Em novembro de 2024, o jovem Gabriel Ferreira Messias da Silva, de 24 anos, foi morto por policiais militares. Imagens capturadas pelas câmeras corporais dos agentes mostram que um dos policiais pediu ao outro que virasse para que o equipamento não registrasse o ocorrido.
Na versão apresentada no boletim de ocorrência, os militares disseram que dispararam por defesa, alegando que Gabriel teria apontado uma arma para eles. Mas, por meio da gravação, a Defensoria Pública de São Paulo constatou que o tiro saiu de dentro da viatura.
As imagens mostram que os policiais descem da viatura e um dos agentes questiona Gabriel sobre a procedência da moto. O jovem afirma que não era roubada e, minutos depois, um dos militares diz: “Vira, vira, vira”, antes de efetuar os disparos.
O equipamento também auxiliou a desvendar o caso do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, morto a tiro em 20 de novembro de 2024.
A recepção de um hotel acionou a polícia após uma discussão entre o estudante e uma garota de programa no local. Assim que chegaram ao estabelecimento, um dos agentes puxou Gabriel pelo braço, enquanto o outro chutava o rapaz. Em seguida, o estudante segurou a perna do policial, que caiu no chão. Nesse momento, o PM Guilherme atirou na altura do peito do jovem.
Em depoimento, os agentes afirmaram que não estavam usando as câmeras corporais, mas o ouvidor das Polícias de São Paulo, Claudio Silva, relatou à TV Globo que os equipamentos estavam ligados, pois os policiais estavam usando o modelo adotado nos governos anteriores, com gravação ininterrupta.
Outro caso é dos policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) que mostram os agentes comemorando a morte de um homem durante a Operação Escudo, deflagrada na Baixada Santista, litoral paulista, depois da morte do agente Patrick Bastos Reis, em julho de 2023.
Em entrevista à IstoÉ, o analista criminal Guaracy Mingardi avaliou que as declarações dadas pelo governador e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP) endossam o uso excessivo da força. “O policial que está na rua recebe a mensagem de que está tudo liberado”.
Para o especialista, os casos de excesso de violência demonstram que há um discurso equivocado atribuindo esses casos a um suposto mau treinamento, o que não procede.
“O que está acontecendo é efeito do excesso da liberdade e da falta de controle por parte da Secretaria da Segurança”, afirma.
Já Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé e co-autora do livro ‘Segurança Pública para virar o jogo’, afirma que durante as gestões anteriores houve um processo para redução da letalidade policial, mas foi descontinuado. “Da liderança política às medidas concretas nas ruas, tudo faz parte dessa quebra”, disse.
IstoÉ