Casas vazias devem pagar mais impostos. Justiça social e por cidades habitáveis

Estimo que aproximadamente 15% das casas de Lisboa (48 mil) estejam sem qualquer tipo de uso sendo que a este número é preciso somar os 7,2% em Alojamento Local (mais de 18 mil). Isto significa que aproximadamente uma em cada cinco habitações em Lisboa (22,2%) não está disponível para habitação permanente dos residentes da cidade — estando ou vazia ou dedicada ao turismo.
Este é um número muito significativo que ajuda a explicar a pressão no mercado habitacional lisboeta. Quando mais de 1/5 do parque habitacional não está acessível para residência permanente numa cidade com crise habitacional, isso cria uma escassez artificial que contribui para o aumento dos preços e das dificuldades de acesso à habitação.
Os 66.256 imóveis representam uma quantidade substancial de habitação que, se estivesse disponível no mercado de arrendamento permanente, poderia aliviar significativamente a pressão habitacional que os lisboetas enfrentam. Ao mesmo tempo, milhares de lisboetas e jovens enfrentam preços de habitação incomportáveis, rendas de luxo e bairros que se transformam em museus ou investimentos de longo prazo ("casas banco"). Esta realidade não pode continuar a ser tolerada.
Todos os problemas têm solução: o das casas vazias de Lisboa não é exceção. E é relativamente simples sendo atualmente já aplicada em várias cidades europeias: agravar os impostos sobre imóveis desocupados. Não falo de confisco de propriedade privada, nem de proibições de casas vazias, nem de arrendamento coercivos, nem de nenhuma interferência aos direitos de propriedade. O que defendo nestas linhas é a criação de condições financeiras desconfortáveis à escolha de manter uma casa vazia durante meses ou anos seja por especulação, por abandono ou por desinteresse puro e simples e de criar esse desconforto escolhendo precisamente onde o nosso ineficiente Estado se mostra eficaz e funcional: a via fiscal.
Não falo de algo radical, ou nunca antes tentado. Paris, por exemplo, aplica desde 2015 uma taxa especial sobre imóveis devolutos (que aumentou em 2017), que atualmente pode atingir até 60% do valor da renda potencial do imóvel. Em Berlim, os proprietários que deixam casas vazias arriscam multas pesadas e até a expropriação temporária, como aconteceu com prédios que estavam sistematicamente desocupados. Barcelona obriga os grandes proprietários a colocarem imóveis devolutos no mercado de arrendamento social, sob pena de intervenção pública direta. Em particular, a cidade catalã movimentou-se contra os fundos de investimento que acumulam casas vazias aplicando-lhes grandes multas.
Fora da Europa, Vancouver introduziu um “Empty Homes Tax” que reduziu em mais de 25% o número de imóveis vazios em apenas três anos. Desde 2017, esta taxa subiu três vezes de 1% até 3% (2021).
Portugal, por contraste, continua a permitir que manter imóveis devolutos seja quase gratuito. Resultado? Um mercado estagnado, falta de oferta acessível e urbanismo sem vida. O país teve menos novos projetos habitacionais nos últimos cinco anos do que qualquer outro país desenvolvido. E o que existe não é usado como casa, mas como ativo.
A verdade é simples: enquanto for barato manter casas vazias, é isso que muitos continuarão a fazer. E quem perde somos todos nós: sobretudo quem quer viver, trabalhar e criar família nas cidades.
Mesmo alguns proprietários com consciência social já o admitem: “Tenho uma casa em Lisboa onde só vivo parte do ano. Acho justo pagar mais impostos por isso”, afirmou recentemente no X/Twitter um investidor estrangeiro que, ao contrário de muitos, compreende o impacto da sua escolha.
A habitação não pode ser tratada como ouro em cofre. Tem de ser tratada como um bem essencial. Lisboa, e Portugal, precisam de coragem política para seguir o exemplo da Europa. Quem tem imóveis desocupados deve pagar mais. Quem quer viver nas cidades não pode continuar a pagar o preço da inércia. Ter uma casa não é ter apenas uma forma de propriedade ou possuir uma forma de investimento: é ter o dever social de viver na e para a comunidade e de contribuir para o seu desenvolvimento e que outras pessoas possam também beneficiar da sua propriedade.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democracia Participativa
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