Ucrânia. Uma guerra tecnológica

A solução para o conflito na Ucrânia está num impasse. As tentativas de paz e de negociações não têm chegado a bom porto, principalmente por causa das exigências do presidente russo Vladimir Putin, e a guerra de atrito continua. O presidentenorte- americano, Donald Trump, vê assim frustrada uma das suas principais propostas de campanha e parece estar a perder a paciência com o homólogo russo.Na semana passada, um ataque surpresa de drones ucranianos a várias bases aéreas russas representou um desenvolvimento importante na guerra, com a Ucrânia a demonstrar que não se vai render nem vergar perante as exigências de Moscovo. E este ataque destacou uma vertente desta guerra que transcende as manobras diplomáticas, a tecnologia, e até alertou os americanos para a vulnerabilidade das suas próprias bases.
No decurso da guerra, os drones têm sido uma das armas mais importantes da resistência ucraniana contra a invasão russa, ao ponto de se serem, hoje, um dado adquirido quando falamos em estratégias bélicas. Mas não era assim antes. Tratava-se de algo pouco comum nos campos de batalha. E a utilização da tecnologia poderá estar a ser a peça-chave que permite aos ucranianos continuar com o seu esforço de guerra.
Operação teia de aranhaMas primeiro, olhemos para o ataque à frota de aviões russos que teve lugar no passado domingo. De acordo com o Politico, «Kiev lançou mais de 100 drones para território russo utilizando inteligência artificial». Segundo informações da Ucrânia, citadas pela BBC, foram visados «41 bombardeiros estratégicos na operação» e «“pelo menos” 13 foram destruídos». «Os responsáveis pela segurança», continua a agência de notícias britânica, «afirmam que a incursão de choque demorou 18 meses a ser planeada e que muitos drones foram contrabandeados para a Rússia». As bases atacadas foram as de Olenya, Ivanovo, Dyagilevo e Belaya.Este ataque, para além do dano físico causado, é também psicológico, algo que faz subir a moral dos ucranianos e de todos os aliados empenhados na sua resistência. Um exemplo disso foi a publicação que Illia Ponomarenko, um jornalista ucraniano especializado em defesa, escreveu na rede social X, deixando uma farpa ao presidente americano Donald Trump e a todos os que não acreditam numa vitória ucraniana: «Isto é o que acontece quando uma nação orgulhosa que está a ser atacada não dá ouvidos a todos as afirmações do género: “A Ucrânia só tem mais seis meses”. “Vocês não têm cartas”. “Rendam-se pela paz, a Rússia não pode perder”». O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, chegou a afirmar, no rescaldo da operação, que deve ser Kiev a «escolher as regras do jogo». Zelensky disse também, citado pelo The Kyiv Independent, que a operação não teria acontecido caso se tivesse assinado um acordo de cessar-fogo.
Vários analistas concordam que a operação teia de aranha, como foi apelidada por Kiev, ficará na história da estratégia militar e que alterará a forma de encarar as guerras e fez soar os alarmes em Washington. Num artigo intitulado «Um “alerta”: Ataque de drones na Ucrânia expõe os perigos para os aviões dos EUA», o Politico analisou as vulnerabilidades da própria força aérea americana na eventualidade de sofrer um ataque deste tipo.
Drones e cães-robôA utilização de drones, convencionais e kamikaze, como os FPV, os Magura 5 e os Sea Baby – que têm sido responsáveis por vários ataques à frota naval russa – tornou-se uma prática corrente desta guerra. Mas enquanto a Ucrânia infligiu um ataque destas proporções através de drones, existe outra ferramenta tecnológica que está a moldar a arte da guerra: os cães-robô.O Daily Mail conduziu uma reportagem que se dedica à análise destes equipamentos intitulada «A Ucrânia está a utilizar cães de ataque robotizados contra a Rússia» e pode ser consultada no canal de YouTube do jornal britânico. De acordo com a reportagem, trata-se de um robô baseado no chinês Unitree Go2, pesa 15 quilogramas, mede 40 centímetros e custa 3 mil dólares – um valor relativamente baixo para o produto em causa. Cada perna é controlada pelo seu próprio motor com sensores de pressão nas “patas”, sendo que o computador que controla o robô foi treinado através de Inteligência Artificial.Entre outras coisas, possui habilidades características dos soldados como saltar obstáculos, deitar-se ou saltar. Pode atingir os 16 quilómetros por hora, está munido de uma bateria que pode durar até 4 horas sem ser carregada e pode transportar até 8 quilogramas. Para além disto, um braço robótico pode ser encaixado nas costas do “cão”, o que lhe permite agarrar e mover objetos. Tem também sistemas de bluetooth, wi-fi e transmissores 4G, o que permite que seja controlado de forma remota. Na parte dianteira, tem um dispositivo de som que permite ao controlador do robô falar com quem esteja perto dele e está dotado de sensores, câmaras e luzes. Na zona do queixo, tem um radar de laser.«A função principal dos cães-robô é o reconhecimento», diz Chris Pleasance na reportagem, acrescentando uma passagem que vale a pena citar na íntegra: «Pensa-se que vários milhares [de drones] estão no ar em qualquer altura, fornecendo um fluxo constante de informações ao posto de comando para que os líderes possam tomar decisões de vida ou de morte. Mas, tal como os satélites, os drones não são infalíveis. Têm dificuldade em voar com ventos fortes, podem ser bloqueados por guerra eletrónica e podem também ser cegados por nuvens ou árvores. Se a coisa que estão a tentar espiar não puder ser vista do ar, então o drone não tem qualquer utilidade. É aí que entram as alternativas, como os cães-robô. Estando perto do chão, o cão consegue ver muita coisa que os drones não conseguem. Por exemplo, campos minados e fios, que podem ser letais para os soldados se entrarem neles sem saber».Mas, acrescenta Pleasance, estas máquinas não se restringem ao reconhecimento: «Os cães-robô também podem desempenhar outras funções, como a de socorro. (…) Os drones, tal como os cães-robô, podem transportar peso suficiente para levar os abastecimentos», como munições ou medicamentos, que de outra forma só poderiam ser entregues por mais soldados.Estes cães podem carregar também armas no torso, tornando-os num equipamento ofensivo ao invés de defensivo. Ainda não há registos deste tipo de utilização, mas, segundo a mesma reportagem, é sabido que os russos e os chineses estão a testar a instalação de mísseis e de metralhadoras nestes aparelhos, o que poderia alterar, para sempre, a maneira de fazer guerra.
Numa guerra entre países de dimensões substancialmente diferentes, como é o caso, um dos principais problemas para a potência inferior é a escassez de homens disponíveis para combater. Por isto, a utilização cada vez mais de aparelhos tecnológicos como os drones ou os robôs como este anteriormente descrito, são uma arma valiosa para os ucranianos e são fundamentais para que possam manter a sua resistência. Até que se atinja um cessar-fogo – algo que não parece estar para breve -, podemos esperar por mais desenvolvimentos deste género. O que é certo é que a forma de fazer guerra nunca será a mesma.
Jornal Sol