O estilo, o drama e a morte de Isabella Blow

Três anos depois, em 1992, rumou ao prestigiado Central Saint Martins para assistir ao desfile dos finalistas da escola de design e moda. Sem lugar sentada, ocupou o chão. Foi daí que viu o desfile de um jovem aspirante Lee Alexander McQueen, que mostrava a sua coleção Jack O Estripador, inspirada no famoso serial killer. Isabella não só comprou tudo o que havia para vender como tratou de ligar a cada contacto relevante no setor espalhando a palavra sobre o nome emergente.
Com Treacy mais que firmado no mercado, coube a McQueen ocupar agora o lugar deixado vago em casa da editora e do marido. Foi ela quem sugeriu que lançasse a etiqueta sob o nome Alexander McQueen, deixando cair o Lee. Outros designers, incluindo Julien Macdonald, contaram com o seu impulso. E o olho estendeu-se às manequins. Já na Vogue Uk, Isabella cruzou-se com Sophie Dahl a chorar numa esquina e não tardou em recrutá-la para a próxima sessão fotográfica da revista. Stella Tennant foi a descoberta seguinte. Sem ter qualquer book profissional, a candidata a modelo entregou a Blow umas fotos de passaporte. Em dezembro de 1993, Steven Meisel fotograva-a para o editorial “Anglo-Saxon Attitude”, epítome da cool britannia, um conteúdo editorial que atingiu as 80 mil libras, até hoje um dos cais dispendiosos trabalhos na Vogue UK. Lá estava o delineador preto carregado nos olhos, a roupa McQueen, as redes de pesca Wolford e as plataformas Vivienne Westwood. Assim descolava a carreira de mais uma aristocrata e musa dos anos 90: Stella.
Wintour garante que ninguém tinha a visão de Issie, e que as suas recomendações, sempre certeiras, valiam ouro. Um telefone a avisar que Anna devia seguir aquilo, ir acolá, ou conhecer aquele ou aquela era seguido à risca. Mas aos poucos a rede de protegidos que Isabella foi cultivando não teve o retorno esperado. A editora que mobilizava amigos bem conectados, fotógrafos, e outros pesos da indústria para amparar os seus estimados darlings acabava por ter um modesto sucesso face ao triunfo dos outrora desconhecidos. O desaire foi especialmente grande com Alexander McQueen. Em 1996, Isabella influenciara fortemente a decisão da LVMH de contratar o design para chefiar a casa moda de luxo francesa Givenchy em 1996. Para o criador, o cheque era chorudo, mas, para a sua madrinha, nem por isso. Ao contrário de outros designers, que muitas vezes confiam uma posição oficial às suas musas, McQueen nunca lhe deu um cargo. Não obstante, Isabella esteve na sua primeira coleção apresentada em Paris em janeiro de 1997. E empenhou-se na reparação da sua imagem quando a imprensa da especialidade o arrasou com críticas.
Foi também ela que em 1997 sugeriu a Tom Ford, então ao leme da Gucci, que o grupo expandisse o seu portfólio de aquisições investindo na marca McQueen. Apesar dos milhões envolvidos, mais uma vez a intermediária Isabella Blow ficava de fora dos proventos. “Ela ficou chateada porque Alexander McQueen não a levou quando vendeu sua marca à Gucci. Assim que os negócios descolaram, ela ficou pelo caminho. Todos os outros tinham contratos e ela recebeu um vestido grátis.“, lamentaria mais tarde a amiga Daphne Guinness.
Em 1988, aos 31 anos, Isabella conheceu Detmar Blow, de 24 anos, num casamento na catedral de Salisbury. Dezasseis dias depois de se encontrarem, estavam noivos. Para a Vogue, já recentemente, Detmar abriu as portas da mansão eduardiana que continua em sua posse e guiou os espectadores pelo álbum de memórias. “Ela gostou do meu casaco, eu gostei do chapéu dela”. Assim começava uma história marcada mais pela cumplicidade criativa do que pela parceria afetiva ou mesmo sexual. “Aqui está um retrato dela, sempre protegida pelos chapéus, e pela moda.”, aponta Detmar, segundo o qual Issie teria descoberto os chapéus através da mãe, ainda criança. “Quando colocou um, nunca se sentiu tão feliz.”
Com o advogado e negociante de arte, Isabella desenvolveu um vínculo que se estendia ao lado sombrio de ambas as famílias. O pai de Detmar, Jonathan Blow, suicidou-se quando Detmar tinha apenas 14 anos, ao emborcar Paraquat, um herbicida altamente tóxico. Com vibe gótica, foi em Hilles house, em Gloucestershire, que Isabella e o marido estabeleceram o centro de todas as excentricidades, pivôs de festas lendárias. Receberam Tim Burton e Brian Ferry, e deram guarida aos protegidos de Isabella. No pequeno gabinete de curiosidades num dos salões permanece o batom MAC de Issie, e uma cigarreira. “Era uma maximalista, nada casual, ela gostava que as pessoas se esforçassem”. Na ala norte, um retrato do malogrado Carlos I (nascido no mesmo dia que Isabella) e um manequim com uma cota de malha que esporadicamente era vestida pelos próprios moradores, provando que o guarda-roupa de Blow não era a única fonte de irreverência.
Aliás, quando se casaram, na Catedral de Gloucester, Isabella caminhou até o altar vestindo um vestido de veludo roxo Nadia Lavalle de inspiração medieval coberto com colares trompe l’oeil bordados à mão e um acessório de cabeça que foi criado pelo então desconhecido designer Philip Treacy.
“Calças de fato treino para almoço, jantar, ou na verdade qualquer momento, exceto para o desporto são completamente inaceitáveis”, censurava Blow, que nunca largava os seus Manolo Blahnik, ainda que pudesse usar um sapato de cada par. Para a história passaram observações como: “Eu simplesmente não consigo olhar para si sem batom” ou “Eu amo seios. Eles são tão antiquados.”
Alexander McQueen gostava de pernoitar no quarto Primavera, o quarto dos pais do anfitrião, onde na parede brilha a tapeçaria de Bern-Jones William Morris, inspirada por Boticelli. Há uma história urbana segundo a qual o criador teria roubado a peça, mas afinal tinha levado uma outra mais pequena, com um retrato.
Para atender às expectativas dos anfitriões, os convidados eram convidados a invadir o seu armário repleto de criações McQueen, Alaïa e Hussein Chalayan. “Ela estava absolutamente convencida de que se todos parecessem glamorosos se divertiriam mais”, dizia à Vanity Fair a escritora Plum Sykes, que se vestiu com um mini vestido Rifat Ozbek feito inteiramente de rede de pesca para um jantar no campo.
Ao lado do marido, protagonizou produções de moda que deixavam em evidência os seus prediletos e as poucos convencionais escolhas de moda. Mas nem tudo eram flores, literalmente, nesse matrimónio. O casal separou-se em 2004. Detmar começou um affair com Stephanie Theobald, editora da Harper’s Bazaar. Isabella, por seu turno, encantou-se com um veneziano, uma história que terminou mal, com uma disputa financeira.
McQueen definiu-a como uma mistura de “uma peixeira do mercado de Billingsgate e Lucrécia Bórgia”. Treacy garantia que “não há nada de trágico nela, apenas triunfante”. Tanto liderava as escolhas de moda impressas nas páginas das revistas como ela própria ocupava o centro das produções, sendo fotografada e entrevistada para inúmeras publicações. Mas com o tempo, a depressão instalou-se. O glamour do circuito social contrastava com os dilemas em privado, a incapacidade de ter filhos, a sujeição a oito infrutíferas fertilizações in vitro, a bipolaridade, e o diagnóstico de cancro nos ovários, a estocada final.
Nos seus últimos anos, o trajeto profissional tornou-se mais errático. Começou a produzir uma série de livros intitulados Beleza Arábica, com foco na moda no Oriente Médio, viu na Índia uma oportunidade de renovação, e até se imaginou repórter de moda para a Al Jazeera. O amontoado de planos estrambólicos, com a fatura a pender para o lado da Condé Nast, foi contribuindo para o quebrar de vínculos. Má gestora do seu pecúlio, Isabella temia terminar os seus dias como a marquesa Casati, a italiana que vivia num banco do jardim e que gastava o pouco dinheiro que recebia a comprar gardénias. O declínio estava pronto a entrar em cena com toda a pompa.
Em março de 2006, após a Semana da Moda de Milão, começou a dizer aos amigos que pretendia matar-se, uma vontade que partilhou mesmo com a imprensa da moda, atribuída ao seu peculiar sentido de humor negro. As súplicas repetiam-se, confundidas com hipérboles que ninguém levava realmente a sério, sobretudo vindas de semelhante personagem. “Ela não se calava com aquilo”, recordou Hamish Bowles, o editor da Vogue que a seu lado passara inúmeras horas de felicidade e excentricidade em Hilles. Pouco ou nada se falava de saúde mental, e os amigos brincavam com as ameaças e desabafos, crentes na inconsequência: “Alguém finalmente chegou a dizer-lhe: ‘Olha, Issie, se queres realmente matar-te, tens uma piscina lá atrás, vai lá e afoga-te!’”
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