A ilha japonesa que foi salva pela arte

Shinichi Kobayashi tem lembranças idílicas da sua infância em Naoshima, uma das quase 3 mil ilhas espalhadas pelo Mar de Seto, no Japão.
"Nós íamos colher moluscos", conta o homem de 75 anos, que se tornou prefeito da ilha em 2018. "Durante o verão, eu passava o dia inteiro nadando no mar, pegando conchas e peixes, e ficava bastante bronzeado."
"Não me lembro de ver nenhum visitante estrangeiro", acrescenta.
A ilha natal de Kobayashi não está mais fora do radar dos turistas, graças ao poder da arte moderna.
Desde o lançamento, em 1989, do que se transformou no Benesse Art Site de Naoshima — um projeto de arte em várias ilhas iniciado pelo bilionário Sōichirō Fukutake —, mais de 500 mil pessoas agora visitam anualmente Naoshima, cujas vilas de pescadores, campos de arroz e litorais escarpados se tornaram a tela para instalações de arte hipnotizantes e museus ambiciosos.
Em 2010, foi lançada a Trienal de Setouchi. O festival de arte contemporânea — que agora é um dos principais eventos internacionais de arte do Japão — atrai cerca de um milhão de visitantes para a região a cada temporada.
A sexta edição teve início em 18 de abril deste ano e vai até 9 de novembro, a mais longa Trienal de Setouchi de todos os tempos.

Quarenta anos atrás, poucos teriam imaginado tal transformação.
No início do século 20, Naoshima havia consolidado sua reputação como um centro de fundição de cobre, mas, na década de 1980, estava altamente poluída. A terra virgem e rochosa ao redor da instalação industrial da Mitsubishi Materials estava despida de vegetação.
A população diminuiu drasticamente à medida que os jovens partiram em busca de oportunidades em cidades maiores.
O pai de Fukutake, o magnata das editoras Tetsuhiko Fukutake, e o então prefeito de Naoshima, Chikatsugu Miyake, pretendiam revitalizar a área sombria fundando um acampamento para crianças. Tetsuhiko morreu antes da conclusão do projeto, deixando-o para o filho.
Chocado com a poluição de Naoshima, o jovem Fukutake comprou uma grande área do lado sul degradado da ilha. Seu plano: transformar a região com a construção de museus atraentes em meio às serenas paisagens costeiras.
Para colocar em prática sua visão, ele contratou o arquiteto Tadao Andō, nascido em Osaka, que havia ficado conhecido por projetar edifícios que se integravam perfeitamente aos seus arredores.
"Fiquei surpreso com a ideia, e achei que seria difícil realizá-la", contou Andō em uma entrevista em 2018, na qual ele e Fukutake discutiram as origens do projeto. "Era tão inconveniente! Quem viria aqui?"
"Este projeto começou como um ato de resistência", explicou Fukutake na entrevista. "Era minha intenção consciente construir uma espécie de paraíso na Terra — o primeiro paraíso que harmoniza arte, natureza e a comunidade local."

Em 1989, Andō projetou o Acampamento Internacional de Naoshima, concretizando a visão do pai de Fukutake. Em 1992, veio a Benesse House, um hotel e museu de arte contemporânea que abriga obras de personalidades como Bruce Nauman, Frank Stella e Hiroshi Sugimoto.
A transformação da ilha em um museu ao ar livre de renome mundial e centro internacional de artes contemporâneas foi praticamente garantida em 1994, quando a abóbora amarela com bolinhas pretas de Yayoi Kusama foi adicionada à crescente coleção de obras de arte públicas da paisagem. Desde então, esta obra icônica se tornou emblemática da própria Naoshima.
"O objetivo inicial não era promover o turismo", diz o filho de Soichiro Fukutake, Hideaki, que agora dirige a Fundação Fukutake. "Mas, sim, revitalizar a região por meio da arte e ajudar os moradores locais a ter um senso renovado de orgulho da sua cidade natal."
Mas a missão não tem sido apenas construir algo novo. Desde 1998, e o início do Projeto Art House na vila de pescadores próxima de Honmura, "usar o que existe para criar o que deve ser" tem sido um princípio orientador, fazendo com que muitos prédios abandonados em Naoshima e nas ilhas vizinhas de Teshima e Inujima renasçam como arte.
Entre eles, estão dois projetos do artista Shinrō Ōtake: Haisha, um antigo prédio de dentista transformado com colagem, materiais reciclados e uma cópia gigante parcial da Estátua da Liberdade; e Naoshima Bath "I♥︎湯", uma casa de banho pública agora decorada com uma colcha de retalhos de azulejos estampados na fachada, e uma escultura em escala real de um elefante atravessando a parede divisória entre as seções de banho masculina e feminina.

No início, alguns moradores locais ficaram céticos quanto ao apelo geral destas obras de arte. Na década de 1980, Toshio Hamaguchi trabalhava para o gabinete municipal de Naoshima, e guiou executivos da empresa de Fukutake pela ilha quando o Acampamento Internacional estava sendo planejado.
"Eu não esperava que atraíssemos muita gente com um projeto como esse e, principalmente, com arte", lembra o aposentado. "No entanto, agora temos muitos visitantes graças à arte."
Desde suas primeiras obras em Naoshima, Andō concebeu nove outros projetos na ilha, incluindo o Museu de Arte de Chichu, do qual uma grande parte foi construída diretamente na terra; e o Novo Museu de Arte de Naoshima, que vai exibir arte contemporânea do Japão e da Ásia.
A exposição inaugural — intitulada From the Origin to the Future ("Da origem ao futuro", em tradução livre) — vai apresentar obras de artistas como Takashi Murakami e Makoto Aida, do Japão, Cai Guo-Qiang, da China, e Do Ho Suh, da Coreia.
Assim como o Museu de Arte de Chichu, o Novo Museu de Arte de Naoshima se integra perfeitamente ao ambiente, com dois de seus três andares sob o solo. "É um dos projetos mais ambiciosos e empolgantes que já realizamos", diz Hideaki Fukutake.
O sucesso do Benesse Art Site de Naoshima em atrair visitantes para um local outrora negligenciado foi uma inspiração para projetos semelhantes em outras áreas rurais do Japão.
O Art Base Momoshima, na ilha de Momoshima, é dirigido pelo renomado artista conceitual Yukinori Yanagi, enquanto em Ōmi-shima, outra ilha, o arquiteto Toyō Itō criou o Museu de Arquitetura Toyō Itō.
Como prefeito, Kobayashi observa os benefícios econômicos: "Graças ao número cada vez maior de visitantes, as pousadas e os restaurantes prosperaram, ajudando a tornar a vida cotidiana mais vibrante para os moradores locais."
"Dito isso, também vimos algumas mudanças, como mais pessoas trancando as portas, o que não era comum no passado... Para mim, o mais importante é que os moradores possam viver com alegria, vigorosamente e felizes", acrescenta.
Uma ameaça é o persistente problema de despovoamento da ilha: Naoshima tem atualmente 3 mil habitantes, cerca de metade do número que tinha na década de 1980. "Pessoalmente, desejo fortemente aumentar esse número", afirma Kobayashi. "Mesmo que seja em apenas uma pessoa."
Mas há lampejos de esperança; uma reportagem de 2024 do jornal Asahi Shimbun citou que, embora a população da ilha estivesse em declínio em 2022, o número de recém-chegados aumentou ligeiramente, mas de forma constante, a cada ano desde então.
Nos últimos cinco anos, 500 pessoas — sobretudo casais de áreas urbanas na faixa dos 30 e 40 anos — se mudaram para a ilha, atraídos por sua beleza artística única.
Muitos funcionários do Benesse Art Site de Naoshima se mudaram para a ilha, enquanto outros chegaram para trabalhar no setor de hospitalidade em expansão — tanto que Naoshima agora está enfrentando um déficit habitacional.
A Mitsubishi Materials também limpou significativamente suas operações de fundição de cobre, melhorando a qualidade de vida geral.
Falando em uma conferência sobre Naoshima em 2023, Eriko Ōsaka, respeitada curadora e diretora geral do Centro Nacional de Arte de Tóquio, atribuiu aos organizadores do Benesse Art Site de Naoshima a mudança na imagem da ilha "de negativa para positiva por meio do poder da arte".
Na opinião de Ōsaka, os visitantes de Naoshima "podem vivenciar a serendipidade que não encontram em nenhum outro lugar, e descobrir algo desconhecido dentro de si mesmos". Para ela, o sucesso do Benesse Art Site de Naoshima significa que alguns dos moradores da ilha que se mudaram "vão voltar um dia".
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.
BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
terra