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O controle das rendas habitacionais, uma falsa solução

O controle das rendas habitacionais, uma falsa solução

Para lidar com o problema da escassez e do preço elevado da habitação nas sociedades ocidentais, com democracia política e economia mais ou menos liberalizada, a ação do Estado dispõe de quatro grandes linhas de políticas públicas. São estas a oferta pública de habitação, a subsidiação à compra e ao arrendamento, a fiscalidade que incide sobre a construção e as transações e a regulação, a qual vai desde a normativa urbanística e as regras do licenciamento até à intervenção administrativa no mercado.

Todas abarcam questões complexas e merecem discussão, para a qual tenho procurado contribuir nestas páginas. Atualmente, perante o agravar da crise habitacional, alguns apelam à necessidade de regulação pelo condicionamento administrativo dos valores das rendas, para assim as tornar acessíveis à maioria da população. Esta ideia, que parece uma solução simples para o problema, é, a meu ver, das piores opções de política pública, com as consequências que procurarei apontar mais adiante.

Permitam-me apenas uma breve nota sobre as três primeiras linhas de políticas públicas, que incluem muitas das “soluções impossíveis” que anteriormente discuti aqui e aqui.

A oferta pública de habitação seria, por certo, uma das chaves do problema. Mesmo para os que, como eu, defendem uma perspetiva liberal, é inegável que o Estado, como grande – se não o maior – proprietário imobiliário do país, tem, não só responsabilidade, mas recursos que, estrategicamente mobilizados, poderiam influenciar positivamente o mercado. Uma oferta relevante de habitação pública – baseada num modelo de parcerias com privados – focada no arrendamento, de custo controlado e dirigida à classe média, teria um efeito importante de equilíbrio nos preços. Acresce a possibilidade de canalizar verbas comunitárias para estas operações.

É bem conhecida a muito baixa percentagem de habitação pública em Portugal relativamente aos outros países europeus, sendo a que existe marcada por um historial de má gestão e, essencialmente, direcionada a segmentos populacionais de grande dependência.

Numa sociedade empobrecida como a nossa e face a falhas do mercado, a subsidiação – na compra e, sobretudo, no arrendamento – aplicada de forma limitada, pode ser vista como eficaz e socialmente justa, quando dirigida apenas a quem realmente necessita, com destaque para as famílias jovens.

Mas a subsidiação traz riscos. A sua aplicação foi generalizada a partir dos anos 80 do século passado, por via da bonificação das taxas de juro, para orientar para a compra de construção nova toda uma geração que não encontrava resposta habitacional no inexistente mercado de arrendamento. O resultado a prazo foi, para além de um modelo territorial insustentável, uma grave crise orçamental. Mais recentemente, a subsidiação tem, juntamente com a redução das taxas de juro dos empréstimos, contribuído para a subida dos preços da habitação, fomentando a procura face a uma oferta muito limitada.

Uma fiscalidade menos pesada sobre o processo imobiliário dá agora alguns passos tímidos, depois de já estar há algum tempo, e bem, no cardápio dos incentivos à reabilitação urbana. Os resultados ainda não se fazem sentir na oferta, defendendo alguns – entre os quais me incluo – que se deveria ir muito mais longe, com um verdadeiro choque fiscal a incidir em todo o ciclo da produção e transação habitacional.

É apontado por agentes do sector que a fiscalidade representará quase 40% do preço final da construção, o que evidencia a margem e os efeitos aqui possíveis. No entanto, a relutância na perda de receita fiscal por um Estado viciado em impostos tem impedido uma ação corajosa neste domínio.

Por fim a regulação, que, ao contrário das anteriores, não implica investimento público ou perda de receita fiscal e por isso tem sido a linha de ação favorita dos Governos, à esquerda e à direita. Afinal, debitar legislação sobre os problemas e criar ónus aos particulares é uma das nossas grandes áreas de especialidade.

Reconheço que um módico de regulação é necessário ao funcionamento das sociedades civilizadas. Inegavelmente, a regulação tem em Portugal grande margem para simplificação e ganho de eficácia, nomeadamente quanto às regras técnicas que incidem na construção, à normativa urbanística, a todo o procedimento administrativo conducente ao licenciamento dos edifícios.

Mas é noutro aspeto da regulação, a tentação do condicionamento administrativo do valor das rendas habitacionais, que me quero focar agora.

Após 1974 o mercado de arrendamento habitacional passou a ter uma expressão reduzida em Portugal, quando comparado com o nosso espaço geopolítico. Esta falha é um dos aspetos centrais do atual problema da habitação e deveria por isso merecer lugar prioritário nas políticas públicas. E refiro 1974 porque a convulsão política, social e económica do PREC expôs e agravou as disfuncionalidades já existentes no mercado de arrendamento e afastou, quase por completo, o investimento privado deste sector.

De facto, o problema decorre de mais de um século com sucessivas declinações do regime dito “vinculista” do arrendamento urbano iniciado em 1910. Este regime caracteriza-se pela excessiva proteção dos interesses dos arrendatários, pelo condicionamento das rendas e pela prorrogação automática dos contratos, sendo assim penalizador dos senhorios e restringindo em muito a sua autonomia. Ou seja, os senhorios desempenharam, longamente e a suas expensas, um papel de apoio social generalizado, subsidiando os inquilinos, papel que, de todo, não lhes competiria.

Nos 50 anos que leva a democracia, várias tentativas se fizeram para desatar os nós deste regime, tentando uma aproximação ao mercado sem provocar grandes convulsões sociais. Estas tentativas liberalizadoras vieram, nas condições políticas possíveis, da área do centro-direita. À esquerda, o cariz vinculista do arrendamento continua a ser visto com bons olhos, atribuindo-se-lhe méritos de justiça social, por atender a um direito abstrato, promover a redistribuição de riqueza e proteger da expulsão as populações locais. Tudo isto ancorado no histórico ódio da esquerda à propriedade e ao mercado.

Os escassos resultados e a inconsistência das revisões do regime do arrendamento urbano continuam a empurrar as famílias para a aquisição, visto que é normalmente mais barato o encargo financeiro da compra do que pagar uma renda. O que, por sua vez, diminui ainda mais o sector do arrendamento.

Assim, a principal causa para o aumento das rendas – e, claro, também dos preços de venda, mas não é esta questão que me interessa agora – é a escassez da oferta. Há um desajuste entre a pressão da procura de habitação e a disponibilidade no mercado de casas para arrendar. Isto, além de levar à natural subida dos preços no mercado, ainda traz efeitos mais perversos, como a especulação e os negócios parasitários sobre os fogos disponíveis.

Mas uma observação mais fina leva-nos a identificar segmentos em que esse desajuste é muito severo (os fogos acessíveis às classes baixa e média) e outros em que o mercado, embora em alta, funciona com mais dinâmica e eficácia (as casas destinadas às classes afluentes, incluindo estrangeiros).

Isto decorre do desinteresse dos promotores pelos segmentos baixo e médio do mercado, sobretudo por duas razões fáceis de identificar: a impossibilidade de obter rentabilidades interessantes, dados os custos associados à construção (terrenos, materiais, mão de obra, cumprimento regulamentar, processo administrativo, fiscalidade) e o maior risco de incumprimento dos arrendatários, risco agravado pelo lento funcionamento da justiça. A estas duas razões poderíamos juntar a incerteza do ambiente político e do quadro legislativo, embora esta seja transversal ao mercado.

Claro que há mais razões para o aumento das rendas, sobretudo nas principais cidades. A notoriedade da zona, a atividade económica aí presente, a chegada de novos residentes mais afluentes, a perceção de valor, o imobiliário como ativo de refúgio, entre outros, são fatores virtuosos que impelem a procura e também ajudam a explicar o aumento dos preços.

Face a isto, será então o condicionamento administrativo das rendas uma solução para colocar mais casas no mercado de arrendamento? Parece-me evidente que não. Mas interessa-me apontar as consequências observáveis em termos económicos, sociais e urbanos desta forma de regulação.

A experiência portuguesa mostra bem como o controle das rendas é um mecanismo de destruição de valor, ilustrando a famosa expressão de Lindbeck, “Rent control appears to be the most efficient technique presently known to destroy a city, except for bombing”.

Numa sociedade livre, o condicionamento compromete o mercado de arrendamento e desincentiva o investimento, por limitar a ação dos agentes e a expectativa de rentabilidade. A própria fixação administrativa de preços abaixo do valor de mercado promove a escassez, levando a um acréscimo da procura para uma menor oferta de fogos disponíveis.

A natural relutância em colocar casas no mercado por valores considerados baixos e que não remuneram devidamente o investimento na produção imobiliária leva também à retenção dos fogos e à informalidade, com o mercado paralelo e outros expedientes que exploram a escassez da oferta.

O condicionamento dos preços desvaloriza e degrada o parque edificado, descapitaliza os proprietários e deprecia o valor da habitação, reduzindo a qualidade da construção e da manutenção. Ao reduzir o incentivo à conservação, ou ao torná-la incomportável por falta de meios, os edifícios degradam-se até condições limite e são condenados a um mercado marginal, conduzindo à chamada “espiral de insolvência”.

Socialmente, o condicionamento promove a injustiça, uma vez que iguala inquilinos pobres e ricos. Se é necessário subsidiar os pobres, atentas as reservas que expressei atrás sobre esta linha de política pública, deve ser toda a comunidade (i.e., o Estado) a suportar o encargo e não alguns proprietários. No mesmo sentido, a distribuição espacial da escassez leva a outro tipo de injustiça: enquanto alguns inquilinos conseguem beneficiar de rendas mais baixas em localizações convenientes, outros terão que se relocalizar, ou ser-lhes-á até impossível encontrar habitação.

A mobilidade populacional é a liberdade de escolhas de vida, sendo afetada pela falta de habitação para arrendar e a escassez de fogos desocupados. Limitar a mobilidade afeta o emprego, agrava as migrações pendulares, amarra as pessoas às casas de renda baixa que conseguiram obter ou empurra-as para a compra, o que também lhes condiciona o futuro. Os idosos continuarão em casas grandes de que já não precisam, para beneficiar das rendas baixas, ou subalugarão informalmente para obter rendimento, à revelia dos senhorios.

Em termos das dinâmicas urbanas estas questões transcendem a crise habitacional. A disfuncionalidade do mercado de arrendamento está na origem do despovoamento e da desertificação funcional das áreas centrais das nossas cidades. Assim se criou o grande vazio que comprometeu a resiliência do sistema urbano e propiciou a ocupação avassaladora por fatores exógenos.

Naturalmente, os aspetos negativos apontados são efeitos perversos, não procurados pela bem-intencionada instituição do controle das rendas habitacionais. Mas, como bem dizia Milton Friedman, as políticas públicas avaliam-se pelos seus resultados, não pelas suas intenções.

observador

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