O primeiro dia do reencontro de Madalena com a mãe alienada.

Esta é a história real de Madalena, que tinha apenas 10 anos quando foi afastada da mãe, num processo de alienação parental imposto pelo pai e pela madrasta. Durante quatro longos anos, viveu separada do seu vínculo materno, até que, aos 14, regressou, trazendo consigo o silêncio, a dúvida e o peso de uma infância interrompida.
Foram quatro anos de silêncio, afastamento forçado, um corte relacional enraizado na manipulação, e uma ausência que não nasceu pela escolha, nem por uma ordem judicial justa, mas sim pelo poder da alienação parental, um fenómeno ainda pouco compreendido e muitas vezes ignorado pelos próprios tribunais. Como nos conta a sua mãe: “A Madalena sai de minha casa com 10 anos e regressa com 14 anos…”.
O reencontro entre mãe e filha aconteceu de forma inesperada. Quando Madalena regressou, a mãe quase não acredita no que estava a ver. Quatro anos depois, a filha estava ali, à porta de sua casa, mas algo era diferente, mãe contou que: “A Madalena subiu e parece que se transforma, parece que é uma miúda normal, ela vinha tipo robot, assim muito assustada…não sabia como é que havia de agir comigo…ela durante a primeira e segunda semana, ela não me tratou por mamã, nada de mamã”.
Esta descrição é sintomática de um quadro de alienação parental severa, em que a criança ou adolescente interioriza narrativas negativas sobre o pai ou mãe alienado. Silêncio, distância, obediência forçada. Durante anos, a Madalena foi ensinada a afastar-se da mãe, a desconfiar dela, a ver nela uma ameaça. O reencontro não trouxe de imediato abraços e palavras doces, mas sim estranheza e contenção. E a mãe sabia disso. Não exigiu. Só acolheu, como nos partilhou: “Desculpa se a mamã nem sabe ser mamã ainda…teve tantos anos sem ti…nem estava à espera…vamos jantar fora hoje…vamos comemorar o teu regresso…a mamã está muito feliz”.
Naquela noite, a mãe queria partilhar a alegria com a família. Tiraram uma fotografia para enviar aos tios, avós e primos, todos afastados pela mesma sombra de silêncio, a alienação. A mãe contou que, na primeira noite que a filha chegou: “Tirei uma fotografia…mandei para a minha mãe, para a minha prima, para o meu irmão…quando receberam não perceberam que a fotografia era atual.…perguntaram isto foi há quanto tempo?…não estavam a perceber que era uma fotografia daquele dia”.
O impacto foi coletivo. A alienação parental isolou a Madalena da família materna, avós, tios, primos. A emoção do reencontro rompeu o silêncio. E então, a Madalena fez um pedido, queria ligar à avó. A mãe contou que a Madalena disse: “telefona para a avó…não, não, telefona para a avó…então eu fiz uma videochamada com a minha mãe…a minha mãe disse: mas estás com quem filha…não estou a perceber…e a Madalena disse…sou eu, avó…sou eu, avó…sou mesmo eu, avó”.
A alienação parental não separa apenas mães e pais. Separa gerações inteiras. Quando a avó percebeu quem estava do outro lado da câmara, começou a chorar. Do outro lado, a Madalena, adolescente de 14 anos, pequenina na sua dor, repetiu: “sou eu, avó”, o que é revelador do trauma por si vivido, a adolescente precisou de reafirmar a sua identidade para retomar um vínculo que lhe tinha sido negado.
Chegaram os tios, os vizinhos, os amigos de infância. Todos os que, durante anos, foram afastados. Madalena reencontrou-os com surpresa e receio. Ela própria parecia não saber mais o que era permitido sentir, como nos partilhou a mãe: “o meu irmão vem de lá de Oeiras, chegou em 10 minutos lá a casa…a abraçarem-se…não acredito que estás tão grande…olha não quero saber do passado….a culpa nada disto é tua …vamos todos resolver isto tudo a bem, vai tudo correr bem, na noite em que ela chegou a minha casa…..”.
Durante a noite, a Madalena pediu para dormir com a mãe. O quarto antigo estava ali, intacto, mas o afeto precisava de reaprender o seu lugar. Durante os dias seguintes, Madalena reaprendeu o afeto, reconstruiu laços e, a pouco a pouco, colocou questões, como nos contou a mãe: “ela voltou ao quartinho dela…não quis dormir logo no quarto dela…Madalena perguntou-me: ‘ah, mas eu posso dormir contigo?’…a primeira noite, a segunda, a terceira…durante uma semana juntas para ela falar comigo…para conversar e fazer todas as perguntas que ela queria fazer…”.
Após quatro anos de alienação, a Madalena preciso de dar respostas às suas múltiplas perguntas. Fez perguntas que revelavam o medo, a dúvida, o enredo que lhe foi contado vezes sem conta, até que acreditasse nele. E essas perguntas eram desconcertantes. A mãe partilhou-nos que a Madalena: “…queria saber tudo…Se eu tinha batido mesmo no irmão…se aquela fotografia com as coisas…se tinha batido…A Madalena dizia: ‘Porque eu não me lembro, eu estava cá em casa, mas não me lembro de teres batido no mano…Foi verdade que tu fizeste dois rasgos nas costas’…”. Na ausência de provas, basta a suspeita para afastar. Basta o medo para calar. Mas o tempo não mente, e o amor, apesar de calado, sobreviveu.
Casos como o de Madalena não são únicos. Em todo o país, mães e pais veem os seus filhos afastados por processos judiciais longos, baseados em acusações frágeis ou falsas, alimentadas por dinâmicas de controlo, vingança ou medo. Muitas vezes, a justiça demora anos a perceber que errou. Outras, não chega a perceber. Madalena regressou. Mas podia não ter regressado. E este reencontro só aconteceu porque o vínculo resistiu, apesar do tempo, da distância e da dor.
observador