Pode Trump libertar da prisão o cérebro da rede de Epstein?

A hipótese começou a ganhar solidez nos últimos dias. Poderá o Presidente norte-americano indultar Ghislaine Maxwell, a mulher que foi considerada o cérebro por trás da rede de pedofilia de Jeffrey Epstein? A socialite britânica foi condenada a uma pena de 20 anos de prisão pelo crime de tráfico sexual de menores, ficando provado que foi a responsável por aliciar e recrutar as jovens que depois eram abusadas sexualmente. Agora, Ghislaine pode ser uma boia de salvação de Donald Trump e já foi transferida para uma prisão com melhores condições.
Questionado diretamente, Donald Trump não negou poder conceder um indulto à socialite caída em desgraça, com quem terá mantido uma relação de proximidade na década de 90. “Posso fazer isso, mas ninguém me abordou, ninguém me perguntou sobre isso”, disse o chefe de Estado norte-americano, que preferiu assinalar apenas que é “inapropriado” falar atualmente sobre este tópico. Ainda assim, os advogados que representam Ghislaine Maxwell olham com satisfação para esta possibilidade: “Esperamos que use o poder de forma justa e correta”.
Considerada uma das criminosas mais odiadas nos Estados Unidos por causa da dimensão do caso e dos relatos das vítimas, Ghislaine Maxwell, que também foi ex-namorada de Jeffrey Epstein, foi recentemente intimada a testemunhar no Congresso norte-americano para prestar esclarecimentos sobre o assunto. Em resposta, os advogados da britânica fizeram uma série de exigências, incluindo imunidade, o que significa que os depoimentos não poderiam ser usados contra ela em investigações futuras, protegendo-se também contra um possível processo resultante das suas declarações.

▲ Ghislaine Maxwell e Jeffrey Epstein
Patrick McMullan via Getty Image
Esse pedido de Ghislaine Maxwell foi rejeitado. De qualquer forma, na carta que enviaram aos congressistas, os advogados que a representam não deixaram de mencionar a possibilidade de obter um indulto presidencial. Caso fosse perdoada e saísse da prisão, estaria “disposta a testemunhar aberta e honestamente em público perante o Congresso”, de modo a “partilhar a verdade e dissipar os enganos e afirmações erradas que afetaram este caso desde o início”.
A defesa da socialite está a explorar a hipótese de tirar a mulher da prisão, onde ainda tem vários anos de pena para cumprir. E entre o movimento Make America Great Again (MAGA), fundado por Donald Trump, a ideia está a começar a circular. O indulto ainda não é bem-visto por grande parte da base eleitoral do trumpismo, mas está a ser acolhida. Pode mesmo Ghislaine Maxwell sair da prisão, mesmo tendo sido condenada? E quem ganharia com isso?
Como Musk acendeu o rastilho do caso EpsteinDurante a campanha eleitoral para as presidenciais de 2024, Donald Trump e os seus aliados fizeram uma promessa: divulgariam os ficheiros relacionados com o caso Epstein. A possibilidade de os documentos serem tornados públicos foi aplaudida pelos membros do MAGA, que adotam posições antissistema e contra as elites da costa leste.
????BREAKING: A video is going viral showing JD Vance calling for the full Epstein list to be released – on Theo Von’s podcast. Hey JD, what changed?
Let’s blast this everywhere before he tries to erase it. pic.twitter.com/ZJZt56uejx
— CALL TO ACTIVISM (@CalltoActivism) July 15, 2025
A promessa não foi cumprida. A procuradora-geral da administração Trump, Pam Bondi, chegou a divulgar alguns documentos, mas que não traziam nada de novo. A base eleitoral do trumpismo começava a perder a paciência, mas o assunto não estava na ordem do dia. Foi o dono do X e Tesla, Elon Musk, quem lançou a “bomba”: na troca amarga de mensagens nas redes sociais que aconteceu quando se zangou com Donald Trump, o magnata fez uma publicação (entretanto apagada) em que garantia que o nome do Presidente estava na “lista de Epstein”. “Foi por isso que não foi revelada”, assegurava Elon Musk.
O chefe de Estado negou as acusações do antigo aliado. Porém, o assunto começava a ser discutido nas redes sociais, em particular pelos apoiantes de Donald Trump. Ganhou ainda mais preponderância quando o Departamento de Justiça confirmou que, afinal, não havia qualquer lista dos clientes de Epstein, algo que Donald Trump e o vice-presidente, JD Vance, asseguraram que existia durante a campanha e nos meses que seguiram. Os apoiantes do trumpismo passaram a desconfiar que a Casa Branca poderia estar a esconder alguma coisa.
O Wall Street Journal revelou também uma carta de aniversário, escrita por Donald Trump e dirigida a Jeffrey Epstein, que provava a proximidade entre os dois homens. Adicionalmente, o mesmo jornal divulgou que Pam Bondi tinha comunicado ao Presidente norte-americano, em maio deste ano, que o seu nome era mencionado efetivamente nos ficheiros Epstein, ainda que tal não indicie a prática de qualquer crime.
Começaram a surgir perguntas incómodas. Choviam críticas do movimento MAGA ao Presidente nas redes sociais. Donald Trump negou todas as acusações de que foi alvo, mas o tema continua sem desaparecer do espaço mediático, eclipsando o sucesso da aprovação do plano orçamental, Big and Beautiful Bill. Sob grande escrutínio público, o vice-procurador-geral, Todd Blanche, decidiu convocar Ghislaine Maxwell para novas entrevistas durante a semana passada.

▲ Todd Blanche, ex-advogado de Donald Trump que é agora vice-procurador-geral, encontrou-se na semana com Ghislaine Maxwell
Michael M. Santiago / POOL/EPA
O que terá ido discutir Todd Blanche com a socialite? Por agora, há poucas pistas. No comunicado divulgado, a procuradoria-geral justificou que, “à luz da revisão recente dos ficheiros pelo FBI”, surgiu a necessidade de questionar Ghislaine Maxwell sobre se tinha novas informações “em relação a alguém que tinha cometido crimes contra as vítimas”. “O FBI e o Departamento de Justiça vão ouvir o que ela tem a dizer.”
Depois das conversas — que ocorreram em regime de imunidade condicional —, um dos advogados da socialite, David Markus, garantiu que a cliente “respondeu a todas as questões”. O responsável jurídico admitiu igualmente que a mulher foi questionada sobre “cerca de uma centena de pessoas diferentes”: “Ela não deixou nada para dizer.”
Não é ainda claro qual seria o objetivo jurídico destas novas conversas. Para o líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer, não houve dúvidas: o vice-procurador-geral e ex-advogado de Donald Trump foi propor um indulto presidencial em troca de um testemunho que “absolva” o Presidente norte-americano. “Cheira a corrupção e a conflito de interesses”, avisou.
Let me be clear: Trump sending his personal lawyer, Todd Blanche, to meet with Ghislaine Maxwell stinks of high corruption and conflict of interest. pic.twitter.com/JsuufR1Hl1
— Chuck Schumer (@SenSchumer) July 24, 2025
Esta sexta-feira, no que poderá ter sido uma cedência aos advogados da socialite, foi tornado público que Ghislaine Maxwell foi transferida da cadeia da Florida para outra em Bryan, no Texas. Esta prisão tem melhores condições do que a anterior, em Tallahassee: tem um dormitório, uma proporção menor entre funcionários e reclusos e vedações limitadas. Até ao momento, nem as autoridades norte-americanas, nem a equipa legal justificaram o que esteve por trás desta mudança.
O encontro entre a socialite e Todd Blanche, que terá recompensado Ghislaine Maxwell por estar agora numa cadeia com melhores condições, pode ter sido uma forma de aliviar pressão para a administração Trump, que passa a imagem de que continua empenhada em fazer Justiça neste assunto, em particular junto dos seus apoiantes mais acérrimos. Existe também a possibilidade de encontrar novos alvos entre os implicados na rede de pedofilia. E mesmo que estas conversas não tenham qualquer resultado concreto no futuro, têm a capacidade de mostrar aos aliados que o chefe de Estado não está de braços cruzados.
Nas redes sociais, os influencers próximos de Donald Trump estão dispostos a dar mais uma oportunidade ao chefe de Estado neste assunto — principalmente se ouvir Ghislaine Maxwell. “Ela é uma peça viva que pode contar o que se passou. Não há ninguém melhor para contar a verdade”, afirmou o podcaster Benny Johnson. Um dos mais célebres apoiantes da fação MAGA, o ativista Charlie Kirk, elogiou a iniciativa de ouvir a socialite: “É tão poderoso. [Trump] está a ouvir as vozes da base. Se alguém atualmente tem a informação do que se passou será Ghislaine Maxwell.”
Na Fox News, o antigo advogado de Jeffrey Epstein e de Donald Trump, Alan Dershowitz, até sugeriu que se lhe fosse concedida “imunidade” para que pudesse “testemunhar” livremente. Ainda assim, esta tese não convence todos os aliados nas redes sociais do Presidente norte-americano. Outro influencer do MAGA, Jack Posobiec, considera que Ghislaine Maxwell “merece totalmente estar atrás das grades”. Apenas concebe um acordo se ela “contar tudo”.
"É tão poderoso. [Trump] está a ouvir as vozes da base. Se alguém atualmente tem a informação do que se passou será Ghislaine Maxwell."
Influencier norte-americano, Charlie Kirk
A base eleitoral do MAGA já não parece estar tão revoltada com o assunto, se bem que haja sinais de uma divisão interna. Há várias vozes, como a da congressista Marjorie Taylor Greene, que tem exigido a divulgação de todos os documentos relacionados com o caso Epstein — este continua a ser o foco de alguns republicanos mais radicais.
Para outras vozes influentes dentro do movimento MAGA, o centro da questão já deixou de ser Donald Trump — é agora Ghislaine Maxwell. Mesmo entre estas, ainda assim, a questão do indulto presidencial continua a não ser bem vista. Mas talvez nem sequer seja preciso a curto prazo, se o chefe de Estado conseguir divergir as atenções eficazmente.
Fora da base, entre os republicanos mais moderados, a questão do perdão presidencial de Ghislaine Maxwell é quase um tabu, ainda que o assunto seja claramente constrangedor por implicar e indultar uma mulher que a opinião pública norte-americana encara como uma criminosa. Durante a visita à Escócia, Donald Trump recusou dar uma resposta definitiva sobre o assunto: “Posso fazê-lo [conceder um indulto], mas é algo que ainda não pensei bem”.

▲ Mike Johnson já se pronunciou sobre o possível indulto de Donald Trump a Ghislaine Maxwell
WILL OLIVER/EPA
O presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Mike Johnson, afirmou, durante o passado fim de semana, que, a seu ver, Ghislaine Maxwell deveria ter tido uma pena mais pesada. “É difícil expressar em palavras o quão perverso foi o que ela fez e o que ela orquestrou. Ela teve uma grande participação [na rede de pedofilia] e acho que é algo imperdoável”, declarou, em entrevista à NBC News.
Interrogado sobre como reagiria se Donald Trump indultasse a socialite, Mike Johnson frisou que “é uma decisão do Presidente”. “Ele disse que ainda não tinha considerado o assunto. Não me vou pronunciar sobre isso. Não é a minha área”, prosseguiu. No entanto, o presidente da Câmara dos Representantes admitiu que estaria “muito apreensivo” sobre a possibilidade de Ghislaine Maxwell ser perdoada.
O líder do Senado, John Thune, fez uma declaração praticamente idêntica. À CNN Internacional, o dirigente do Partido Republicano disse que “cabia” exclusivamente a Donald Trump tomar essa decisão. Para logo depois acrescentar que, se fosse por si, Ghislaine “passaria um bom tempo na prisão”.
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Caso Epstein entra na arena política e Democratas aproveitam-seA base está dividida, mas já não está tão desagradada. Os republicanos não se atrevem em colocar-se no caminho do Presidente norte-americano. No entanto, as ramificações do caso Epstein entraram na arena política, com os democratas e alguns republicanos a insistir na divulgação total dos documentos. O Partido Democrata tem também condenado a possibilidade de Ghislaine Maxwell receber o perdão presidencial.
Esta quarta-feira, o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, anunciou que vai recorrer a um procedimento raramente utilizado — “a regra dos cinco” — para “forçar o Departamento de Justiça a divulgar os documentos de Epstein na íntegra”. Isto prevê que, quando cinco senadores de uma determinada comissão solicitam ao poder executivo a divulgação de documentos de investigação, este “deve atender a esse pedido”.
Os democratas reuniram os apoios suficientes para isso. “Após prometer transparência total durante anos, todas as vezes em que Trump, a sua administração, os líderes republicanos tiveram várias oportunidades para ser transparentes sobre os ficheiros Epstein. Decidiram esconder-se”, acusou Chuck Schumer, acrescentando que estas “desculpas e atrasos são alarmantes”. Assim sendo, o dirigente democrata pediu à procuradora-geral para revelar os documentos até 15 de agosto.
"Após prometer transparência total durante anos, todas as vezes em que Trump, a sua administração, os líderes republicanos tiveram várias oportunidades para ser transparentes sobre os ficheiros Epstein. Decidiram esconder-se."
Líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer
Mesmo assim, os republicanos no Senado e na Câmara dos Representantes estão a tentar evitar que os documentos na íntegra sejam divulgados. Na semana passada, Mike Johnson bloqueou a votação de resoluções, incluindo de congressistas do seu próprio Partido Republicano que exigiam à administração Trump a divulgação de informação sobre o caso de Jeffrey Epstein. E o líder republicano foi mais longe, antecipando as férias dos congressistas para que não haja novas votações sobre o tema.
Donald Trump terá ganhado algum tempo até setembro, mês em que retoma a atividade do Congresso. Poderá até lá explorar a ambiguidade em redor ao indulto a Ghislaine Maxwell, que também foi intimada inicialmente a testemunhar no Congresso a 11 de agosto.
Essa sessão foi adiada indefinidamente. Os advogados de Ghislaine Maxwell exigiram que o testemunho só seja agendado depois de esgotados todas as vias legais da socialite. Neste momento, o caso está a ser apreciado pelo Supremo Tribunal norte-americano, que, segundo adiantou a Fox News, vai examinar o recurso apenas no dia 29 de setembro.

▲ Supremo Tribunal vai avaliar recurso de Ghislaine Maxwell a 29 de setembro
Paul Zimmerman/WireImage
Nas próximas semanas, os democratas vão tentar queimar Donald Trump em lume brando. Já o Presidente norte-americano vai tentar mostrar que está empenhado em manter a transparência sobre o caso Epstein para não desagradar à base eleitoral. Os resultados são, até agora, mistos. Por agora, conceder um indulto presidencial a Ghislaine Maxwell parece ser agora um recurso a ser usado num caso mais extremo — mas que não está completamente colocado de parte.
observador