Governo retoma narrativa a favor das mudanças no IR após revés com IOF

O governo federal tenta retomar o controle da narrativa sobre a reforma do Imposto de Renda e quer criar um ambiente favorável à proposta após o desgaste com o aumento do IOF. O relatório do PL 1.087/2025, que amplia a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês e cria uma tributação mínima para altas rendas, foi lido na última quinta-feira (10) na comissão especial da Câmara dos Deputados e pode ser votado nesta semana. A leitura marca o esforço do Planalto para resgatar o discurso de "que está ao lado dos trabalhadores" e cumprir promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A movimentação ocorre em meio à crise política entre o Planalto e o Congresso após a derrubada do decreto que aumentava o IOF para compensar a ampliação da faixa de isenção do IR. Diante disso, um dos objetivos do governo é reverter a narrativa de que está contra o contribuinte ao criar novos tributos.
Nos bastidores, aliados do Planalto admitem que o Executivo quer “criar um clima” favorável à medida para retomar o projeto com aparência de agenda popular, reforçando a ideia de que a equipe econômica não é contra o alívio fiscal para trabalhadores de baixa e média renda. A leitura do relatório fez parte dessa estratégia.
Relatado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara, o parecer prevê ainda ajustes para estados e municípios que terão perdas com a medida, tentando conter a resistência de prefeitos e governadores. “As medidas de desoneração para rendas de até R$ 5 mil não geram controvérsia”, disse Lira, ao propor a ampliação da faixa de isenção parcial para até R$ 7.350.
Na reunião da comissão, Lira informou que esperou por um “clima de mais tranquilidade política” para apresentar o relatório, de modo que a proposta seja discutida sem os impactos das votações da derrubada do IOF. O relator ainda reforçou que a discussão sobre o projeto e possíveis sugestões para o aprimoramento do texto serão feitas nesta semana.
“A gente só fez aqui o encaminhamento desse problema, para que antes do recesso parlamentar esta comissão tenha a oportunidade de debater, discutir e votar este projeto". Segundo ele, é preciso "amenizar as situações" e trazer luz ao que realmente importa”, disse. Lira ainda acrescentou que o “projeto não tem interesse de arrecadatório, não deve ter e se depender da nossa vontade, não terá. É justiça tributária para aqueles que menos ganham no Brasil”.
Oposição e Confederação Nacional dos Municípios criticam projetoA proposta recebeu críticas da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que estima perda de R$ 9 bilhões com a redução do IR sobre salários de servidores. Para minimizar o impacto, Lira incluiu no relatório um mecanismo de compensação, utilizando o superávit da tributação mínima de altas rendas — estimado em R$ 12,27 bilhões até 2028 — como base para o cálculo da alíquota da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), prevista na reforma tributária.
Outros ajustes feitos no parecer tratam da base de cálculo e da segurança jurídica da tributação mínima. Lira alterou o nome do novo tributo para “Tributação Mínima pelo Imposto de Renda da Pessoa Física”, evitando interpretações de que se trataria de um novo imposto.
Além disso, o relator excluiu rendimentos isentos ou protegidos - como poupança, aposentadorias por doenças graves e dividendos pagos a fundos soberanos - e retirou mecanismos considerados "opacos", como redutores e créditos fiscais para residentes no exterior.
Durante a apresentação do relatório, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) reforçou que o seu partido apresentará sugestões ao texto para “descaracterizar a narrativa” de que os parlamentares não querem taxar ricos.
“Nós, do Partido Progressista, não aceitamos essa narrativa. Ninguém aqui quer beneficiar o rico de deixar de pagar. Pelo contrário, quando eu fui relator do Arcabouço, designado pelo então presidente Arthur Lira, nós aumentamos em 12% a receita desse país no ano passado. Na PEC da transição foram 228 bilhões a mais. Ou seja, o Congresso já deu uma colaboração e muito de poder aumentar a carga tributária beneficiando o equilíbrio fiscal. Porém, há limites”, declarou.
Para a oposição, o projeto não passa de um arranjo político sem consistência técnica. O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) afirmou que o texto “finge ser uma reforma”. Ele também criticou o impacto fiscal sobre municípios e empresas.
“É um remendo mal costurado: mantém o sistema injusto, cria distorções novas, penaliza pequenas e médias empresas e ainda joga a conta no colo de estados e municípios. Uma típica medida eleitoral disfarçada de justiça tributária”, disparou.
Já o presidente do colegiado, Rubens Pereira Júnior (PT-MA), destacou que o relator conseguiu manter a “isenção, neutralidade fiscal e a compensação para estados e municípios”, e cumpriu com o papel de aperfeiçoar o projeto do Executivo.
“Com essa medida, são mais de 500 mil brasileiros beneficiados e garantida a neutralidade fiscal. Os próximos passos, após a concessão da vista coletiva por duas sessões, provavelmente segunda e terça-feira, a partir de quarta-feira nós já podemos convocar a reunião desta comissão para aí sim discutir a matéria”, declarou Pereira Júnior.
Destravamento da pauta do IR ocorre por interesses políticosA agilidade da apresentação do relatório de Lira também vem sendo apontada como um interesse político com foco nas eleições de 2026 e como uma articulação estratégica costurada pelo presidente Lula.
Segundo a Folha de S.Paulo, Lula destravou a nomeação da procuradora Maria Marluce Caldas Bezerra ao STJ - tia do prefeito de Maceió, JHC (PL) - em troca da promessa de que o prefeito não concorrerá ao Senado ou ao governo de Alagoas em 2026, abrindo espaço para a candidatura de Arthur Lira ao Senado. O acordo contemplou também o grupo político de Renan Calheiros, consolidando uma trégua estratégica no estado.
Em troca, Lira assumiu o compromisso de destravar o projeto do Imposto de Renda - prioridade máxima do governo para a campanha de reeleição - e apresentou o relatório no mesmo dia da nomeação presidencial, acelerando a tramitação do PL na Câmara.
Essa costura mostrou-se fundamental: ao longo de nove meses, Lula havia represado indicações para tribunais superiores. Ao assinar a nomeação de Marluce Caldas na quinta (10), Lula conseguiu destravar a pauta do IR e reforçou o diálogo com Lira.
Governo retoma promessa de campanha de LulaEm nome da liderança do governo, o deputado Alencar Santana (PT-SP) defendeu a proposta na reunião da comissão e destacou o compromisso de campanha do presidente Lula com a isenção para trabalhadores de menor renda.
“Esse projeto é o início de uma nova cultura do país, buscando uma justiça tributária mais lógica. A proposta do governo foi debatida ainda em 2022. Isentar até R$ 5 mil é compromisso assumido. São milhões de brasileiros e brasileiras, como professores, pedreiros, seguranças, que terão um alívio no bolso”, disse.
Alencar elogiou o relator e as inovações do parecer, como a ampliação da faixa de isenção parcial para até R$ 7.350 e a vinculação do superávit da tributação mínima à redução da alíquota do IBS. Segundo ele, o projeto “beneficia mais de 20 milhões de pessoas” e contribui com o reequilíbrio entre tributação sobre renda e consumo:
“Quem vai pagar um pouco a mais tem renda muito maior do que a média. O projeto está bem ponderado e ainda garante compensações a estados e municípios. Esperamos aprová-lo na semana que vem, para que entre em vigor já em 1º de janeiro de 2026.”
Mas a proposta ainda enfrenta divisão interna em partidos aliados. Parte dos deputados teme o desgaste de propor novas fontes de compensação num cenário pré-eleitoral. A votação na comissão deve ocorrer nesta semana, mas o clima político segue instável — e o avanço da matéria dependerá de um acordo mais amplo com o governo.
Ainda não há uma previsão de quando o projeto será votado no plenário e a decisão será tomada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). No entanto, com o recesso parlamentar, o assunto deve ficar apenas o segundo semestre.
Em reunião de líderes, na quinta (10), ficou definido que os deputados votarão em plenário nesta semana apenas o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental e a PEC 66/23, que reabre prazos para prefeituras parcelarem dívidas com a Previdência Social.
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