Quando se vai contra a vontade do mercado, perde-se mercado

A propósito do plano do governo para o sistema portuário temos discutido os montantes de investimento — comparando com os números espanhóis. Tenho dito, e repetido, que o investimento não é causa, é consequência. E é consequência de um sistema portuário que precisa de ser revisto numa lógica de planeamento/zonamento estratégico, com base num instrumento integrado no sistema de gestão territorial nacional e que suporte um investimento sustentado pelos atores (privados) dos mercados marítimo-portuários, às escalas nacional e global.
Deve fugir-se à tentação de centralismo, que não faz sentido numa economia de mercado de uma democracia consolidada, mas também obviando à irracionalidade do somatório das intenções de cada Administração Portuária que possam originar a duplicação de infraestruturas, desperdício de fundos (públicos e privados) e fugindo a uma lógica de sistema portuário nacional.
E quando se fala em sistema portuário nacional, não devem ser esquecidos os portos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, quer numa perspetiva de unidade e coesão nacional, quer face à sua localização estratégica privilegiada, naturalmente respeitando a autonomia dos Governos das Regiões Autónomas.
Três exemplos mais recentes ilustram esta ideia: Leixões, Aveiro e Sines.
Leixões. Depois de anos de discussão é finalmente aprovado o investimento de expansão do quebra-mar. O investimento servia para reforçar a capacidade do porto para contentores de uma infraestrutura esgotada.
A nova administração decide unilateralmente utilizar o investimento para carga ro-ro (rodados) em vez de contentores. E planeia gastar ainda mais dinheiro a fazer um novo terminal de contentores para a mesma função que a expansão do quebra-mar devia estar a desempenhar. Contra a opinião de toda a comunidade portuária, contra a vontade dos operadores e sem lógica económica. Não existe qualquer justificação económica razoável para a duplicação de terminais RORO em portos tão próximos como são os de Aveiro e Leixões.
Resultado: 150 milhões de euros depois e o porto de Leixões está a perder carga para Espanha. Leu bem: 150 milhões de euros de investimento público e o porto está a perder carga para Espanha.
Sines. Depois de anos de discussão é finalmente aprovado o projeto de construção de um novo terminal (Vasco da Gama). Com o mercado internacional consolidado o Estado não falou com os operadores. Resultado: apesar das demonstrações de interesse iniciais o concurso ficou vazio. Duas vezes.
Aveiro. Em vez de concessões, há décadas que o porto trabalha com um regime de licenças em que o operador paga uma simples taxa de utilização. O regime sempre levantou muitas dúvidas. Especialmente do lado da concorrência. Operadores de todo o país pagavam as concessões e tinham obrigações de investimento. Em Aveiro pagavam-se licenças. Quando criada, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) estudou e analisou o caso, o que deu origem a uma pronúncia que concluía que estas licenças não cumpriam os requisitos legais, e justificando medidas corretivas. Essa pronúncia é de 2016, contudo, estamos em 2025 e o porto de Aveiro continua a operar com as mesmas licenças. Apesar do atual governo ter reafirmado que o regime de concessões é o modelo de exploração portuária que deve continuar a ser adotado.
O que têm em comum estes casos? Tudo. Em primeiro lugar dizem-nos que que diferentes ministros e secretários de estado de diferentes governos e diferentes partidos, ao invés de indicarem uma visão estratégica para o setor, ficam reféns dos pequenos interesses e decisões unilaterais das administrações portuárias. Na maior parte das vezes por desconhecimento do setor. Outras por simples desinteresse.
Mas também nos dizem que as administrações portuárias que, ao invés de supervisionarem as concessões existentes, explicam aos grandes operadores (nacionais e internacionais) como é que devem gerir os seus negócios. E continua a acreditar que sabe planear e dirigir operações portuárias.
O Estado não tem navios, carga ou produção. Mas gosta de explicar que é possível conquistar mercado indo contra a vontade expressa do mercado. Consequência disso é estarmos a perder mercado.
Mas olhe-se para o que fazem os outros. Do outro lado da fronteira olhe-se para Valência e Algeciras os investimentos são decididos pelos operadores privados. E uma holding pública gere um fundo de investimento dirigido para os portos mais pequenos. Hamburgo é o maior porto da Alemanha. Recentemente a cidade de Hamburgo (a dona do porto) fez uma parceira com a MSC (o maior operador marítimo-portuário), que passou a deter 49,9% do capital social da empresa que gere o porto e o explora. Não são os vereadores da cidade ou um administrador público, que fazem a gestão do porto, é o operador privado. No porto de Roterdão a mega-expansão de Maasvlakte foi feita de raiz com operadores portuários pré-estabelecido, para ir ao encontro das suas necessidades. Não foi feito contra a vontade dos operadores.
O atual plano do governo dá alguns sinais positivos no seu preâmbulo. Fala de uma reforma do sistema portuário e de um maior envolvimento dos privados. Haja coragem para isso. Para isso e para explicar a um administrador portuário que o seu trabalho não é dar aulas de operações portuárias, mas apoiar os concessionários na sua prestação de serviço. O plano do governo é um bom sinal. Mas o sinal vem com trinta ou quarenta anos de atraso em relação ao resto da Europa.
observador