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Pobre país

Pobre país

Portugal sempre foi um país pelintra. O Estado alimenta-se do que consegue arrepanhar à população. Hoje como ontem e como sempre e em toda a parte. Mas para que o saque resulte em pleno, é preciso saber quantos somos e o que cada um tem, ganha ou possui. Porém, para alcançar este desígnio, é necessário um Estado capaz e competente. Não faltavam funcionários públicos no século XIX, mas só em 1848 ocorreu a ideia de organizar um Cadastro para que o Estado ficasse a saber o que era dele, o que pertencia a particulares e o que estava simplesmente ao abandono, com proprietário desconhecido.

Em 1848, o conde d’Ávila foi encarregado pelo Governo de estudar o território nessa época; o problema não eram os incêndios, porque a grande maioria da população vivia no interior. Seja como for, Ávila produziu naquele ano uma pequena brochura intitulada ‘Cadastro’. As averiguações de Ávila foram vertidas em lei nos inícios da década de cinquenta. A lei de nada serviu, não passou do papel.

Não se tratou de mera incompetência. Ou antes, por trás da incompetência movimentavam-se interesses para fazer do Cadastro letra morta. Além dos interesses – já veremos quais – a pura ignorância fez também o seu papel: nem todos sabiam de quê exactamente eram proprietários, e o próprio Estado desconhecia as exactas fronteiras das suas propriedades.

O tema do Cadastro renasceu em meados do século XIX, em finais do ano setenta. E é então que se percebem as razões da aversão ao Cadastro. Era então ministro da Fazenda Fontes Pereira de Melo. Fontes, sempre preocupado com as finanças, decretou uma série de medidas fiscais que equilibrassem e engordassem os cofres do Estado. Medidas mais que necessárias numa altura em que a crise financeira, soprada de Espanha desde 1865, elevou o déficit de Portugal para 8.000 contos, para uma receita de apenas 10.000 contos. Acrescem as más colheitas sucessivas, o aumento do desemprego, a subida dos preços, o crescimento da criminalidade, tudo se combinando para uma profunda e violenta crise social.

Crise acirrada pelas medidas do governo da ‘Fusão’ (1865-68). No Norte, o anúncio de um novo imposto sobre o consumo produziu uma vaga de tumultos populares. A partir de Fevereiro de 1867, varreu o País, de Norte a Sul, um movimento de protesto, tanto nos meios urbanos como rurais. Era uma espécie de ‘jacquerie’ nacional. Foi neste ambiente de extrema conturbação que o governo se lembrou de empreender uma reforma administrativa que suprimia quatro distritos e 178 concelhos, desafiando o bairrismo das populações despromovidas. Não consta que a reforma tivesse requerido, previamente, qualquer Cadastro, no que de resto não mais se falou até ao final da Monarquia.

A entrada em vigor da reforma administrativa e do imposto de consumo nos dias 30 e 31 de Dezembro, respectivamente, gerou um autêntico levantamento popular. No Porto, o comércio fechou as portas e jurou que não as abriria até que o imposto fosse revogado. O Governo, ciente de que não podia controlar a situação, demitiu-se.

Já para o final do seu mandato, Fontes ressuscitou ou inovou vários impostos, nomeadamente uma ‘contribuição predial’ que era uma espécie de equivalente ao nosso IMI. Fontes nunca falou em Cadastro, porque estava ciente de que a população, sobretudo rural, intuía ou sabia mesmo que tal mapa territorial do País não passava de um meio para evitar e se possível escapar ao fisco. Um Cadastro dificultaria esta marosca.

Hoje em dia, dadas as circunstâncias, toda a gente clama por um Cadastro. Porque não se fez até hoje um Cadastro em Portugal? Será porque muita gente, grandes e pequenos, teme vir a pagar mais ao Estado?

Historiadora

Jornal Sol

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