Vídeo indica que arma foi colocada em cena após ataque da PM a homem nu em Santos

Um policial militar bate à porta de uma sala na periferia de Santos, no litoral paulista. Segundos depois, o motoboy Evandro Alves da Silva, 44, é atingido por um tiro de espingarda disparado por um soldado da PM, que está com a arma apoiada na janela ao lado da porta.
Gritos de dor, gritos do soldado —"Larga a arma, polícia!"— e outro tiro de espingarda é disparado. Depois, um barulho de vidro quebrado vem de dentro do imóvel e um PM dispara mais cinco tiros de pistola. Quando um dos policiais arromba a porta com um chute e dispara um tiro de fuzil, Evandro já havia caído de uma altura de aproximadamente sete metros de altura, após quebrar o vitrô do banheiro.
As imagens gravadas pelas câmeras corporais da polícia vieram a público nesta semana. A história do motoboy, um dos três sobreviventes da Operação Escudo, já é conhecida: ele escapou da morte no dia 30 de agosto de 2023, após ser atingido por ao menos dois tiros, perder o baço e a ponta do dedo mínimo da mão esquerda e quebrar oito costelas.
Enquanto estava no hospital tratando os ferimentos, Evandro teve a prisão em flagrante decretada pela Polícia Civil. A medida foi confirmada pela Justiça, mas revogada cerca de uma semana depois, atendendo a pedido da Promotoria de Justiça.

Hoje ele é investigado por porte ilegal de arma de fogo e resistência. Os policiais militares também são investigados por tentativa de homicídio. A defesa dos agentes afirma que não vai se pronunciar sobre o caso devido ao sigilo do processo.
A justificativa dos PMs, apresentada na delegacia, é a de que eles estavam patrulhando o morro José Menino quando avistaram um grupo de suspeitos dispersando ao ver o carro de polícia. Eles alegaram que perderam os suspeitos de vista, mas ao entrar numa viela encontraram Evandro armado dentro da sala, e que o soldado Daniel Pereira Noda atirou após ele desobedecer a ordem para largar a arma.
Os vídeos gravados pelas câmeras corporais não trazem qualquer registro do grupo de suspeitos que, na versão dos policiais, teria se dispersado. Além disso, deixam claro que Noda atirou primeiro e gritou depois para que largasse a arma —o que desrespeita as normas operacionais da própria PM.
Evandro não aparece armado em nenhum momento nas gravações. Uma das principais evidências a favor dele, no entanto, está numa outra imagem que dura menos de um segundo. Ela mostra o sofá e uma cama à beira da janela no momento em que o sargento Thiago Freitas entra pela primeira vez na sala.

Sobre o colchão da cama, a imagem mostra apenas um agasalho escuro. Menos de dois minutos depois, aparece ali uma pistola Taurus calibre 765 que seria coletada pelos próprios PMs e apresentada na delegacia como a arma que o motoboy supostamente estaria portando.
Essa pistola, porém, estava no lado oposto e a alguns metros de distância da posição onde estava Evandro quando atingido. A perícia técnico-científica encontrou marcas de sangue no banheiro, por onde o motoboy escapou, mas nenhum vestígio próximo ao lado onde a pistola foi encontrada.
Além disso, uma gravação também mostra que, após o sargento sair do quarto pela primeira vez, o soldado Noda se agacha próximo à janela e sua câmera capta o ruído de um objeto caindo, possivelmente a pistola encontrada pouco depois sobre o colchão.
Noda era o único dos três PMs envolvidos diretamente na ocorrência que carregava uma bolsa. No terreno aos fundos da sala, Evandro foi encontrado ensanguentado e nu —mais uma evidência de que estava no banheiro quando foi atingido, conforme afirmou.
Em petições à Justiça e em entrevista à Folha, ele contou que, dois dias antes da data em que foi baleado estava com um colega no mesmo imóvel —usado por uma cooperativa de motoboys para descanso, alimentação e recarga nos celulares— quando os mesmos policiais teriam entrado ali com chutes na porta e aos gritos.
Os policiais teriam feito os dois motoboys se ajoelharem e colocarem a mão na cabeça e perguntado se eles tinham antecedentes criminais. Evandro, que estava há cerca de dois anos cumprindo pena em regime aberto, disse que começou a falar do seu trabalho na cooperativa de motociclistas e conseguiu acalmar os policiais.
Eles fotografaram seu RG e seguiram caminho, ele contou, mas voltaram dois dias depois com a abordagem que quase deixou Evandro morto.
Os vídeos são a principal prova na última investigação ainda aberta para apurar conduta de policiais durante a Operação Escudo. Todos os inquéritos relacionados às 28 mortes na ação do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) já foram encerrados —eles resultaram em quatro denúncias de promotores do Ministério Público estadual contra oito PMs, e os outros casos foram arquivados.
Já a Operação Verão, que deixou um saldo oficial de 56 mortos pela PM no ano seguinte, motivou três denúncias contra cinco policiais, e as demais investigações também foram arquivadas.
Questionada, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que "todos os fatos relacionados à ocorrência citada foram devidamente investigados pela Polícia Militar e pela Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais] de Santos, seguindo rigorosamente os critérios legais e com análise minuciosa de todo o conjunto probatório, incluindo imagens das câmeras corporais dos policiais". A secretaria informou que o inquérito policial foi relatado à Justiça, e que a PM aguarda decisão do Judiciário "para a adoção das medidas cabíveis em relação aos agentes".
uol