O lamentável declínio da leitura

Recordando o “Colloque Lippmann” de Paris, em 1938, e alertando para o recente declínio do prazer da leitura.
- Na quinta-feira 21 de Agosto, a primeira página do Financial Times de Londres continha um título a três colunas (e duas linhas) anunciando: “Two-decade survey tells story of how Americans lost their interest in reading”. Dois dias depois, no FTWeekend de 23/24 de Agosto, o mesmo tema era tratado em Editorial (“The FT View”) sob o título “The lamentable decline of reading” (p. 8).Basicamente, os dois textos citavam um estudo conjunto de investigadores da Universidade da Florida e do University College London segundo o qual “ler por prazer nos EUA declinou em mais de 40% ao longo dos últimos 20 anos.” Por “leitura por prazer” os investigadores entendem a “leitura de livros, jornais ou revistas, impressos ou digitais” – por contraste com as chamadas “redes sociais” ou/e breves vídeos digitais.
- O fenómeno não é exclusivo dos EUA. Naquela mesma semana, na Dinamarca, foi anunciada a abolição do IVA de 25% no preço dos livros – com o objectivo de contrariar “a crise na leitura” que tem sido observada no país. Por contraste, recorda ainda “The FT View”, o Presidente Donald Trump “lamentavelmente assinou uma ordem executiva terminando com o apoio federal às bibliotecas.”
- Por incrível coincidência, fora publicado poucas semanas antes (em Julho) uma nova biografia intelectual de Walter Lippmann (1889-1974), um dos autores americanos com maior influência intelectual no século XX – quando atingia semanalmente milhões de leitores através das suas crónicas, reproduzidas e muitas vezes traduzidas em jornais e revistas de inúmeros países (além de ter escrito duas dúzias de livros).O autor desta biografia, Tom Arnold-Forster, da Universidade de Oxford, (Walter Lippmann: An Intellectual Biography, Princeton/Oxford, 2025, 356 pp.) recorda que, a 26-30 de Agosto de 1938, teve lugar em Paris o famoso “Colloque Lippmann”. Reuniu autores já na altura reconhecidos como Raymond Aron, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Michael Polanyi, Wilhelm Ropke, Louis Rougier, Jacques Rueff e Alexander Rustow, entre outros.
O ponto de partida daquele encontro de distintos intelectuais euro-atlânticos tinha sido o livro de Lippmann The Good Society, inicialmente publicado em 1937 (e desde então inúmeras vezes re-editado, incluindo em 2017). Aí se denunciavam os totalitarismos – comunista, fascista e nazi – como inimigos da Boa Sociedade, representada pelas democracias liberais e economias de mercado do Ocidente. Aí foram lançadas as bases intelectuais daquilo a que o austríaco (mais tarde também inglês) Karl Popper (então a caminho do exílio na Nova Zelândia) chamaria A Sociedade Aberta e os seus Inimigos.
- Ocidente? Democracia liberal? Economia de mercado? Governo limitado pela lei? Sociedade aberta? Estes conceitos cruciais de Walter Lippmann e de Karl Popper – que foram cruciais contra o nazi-fascismo na II Guerra e depois contra o comunismo na Guerra Fria – deixaram entretanto de ser ouvidos no discurso oficial de um dos seus clássicos defensores – os EUA, (hoje protagonizados por Donald Trump).Isto mesmo foi enfaticamente observado por Sylvie Kauffmann, diretora editorial e colunista do diário francês Le Monde, num artigo publicado no Financial Times de 29 de Agosto (“Trump is oblivious to Europe’s history”, p. 18).
- Esta talvez possa ser uma razão acrescida para recordar o “Colloque Lippmann” de Paris, em Agosto de 1938. E talvez possa constituir um motivo adicional de preocupação com “o lamentável declínio da leitura”.Voltarei certamente a este assunto, designadamente a propósito de outro livro recém-publicado: The Last Titans: Churchill and de Gaulle, por Richard Vinen, Bloomsbury, 400 pp).
observador