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Penajóia continua a crescer. Há quem pague 300€ por quarto

Penajóia continua a crescer. Há quem pague 300€ por quarto

Quem passa de carro na estrada principal, junto ao Monte de Caparica a poucos minutos da estação de comboios do Pragal, não imagina o número de pessoas que chamam casa ao bairro da Penajóia. É com o Cristo Rei e o rio Tejo como pano de fundo, com estradas de terra batida a serpentear de forma desorganizada por entre dezenas de habitações autoconstruídas em tijolo cinzento que vivem cerca de duas mil pessoas, de acordo com as contas de movimentos como o Vida Justa.

São três da tarde de uma quarta-feira no bairro da Penajóia. O bairro tem tudo: cafés, restaurantes e um barbeiro; crianças a correr nas ruas com bicicletas nas mãos. O Observador entra no café “Sabores da Illy” para descobrir quanto custa viver neste bairro ilegal.

A pressão imobiliária levou milhares de pessoas a procurar alternativas para viver em cidades como Almada. Mas a especulação faz-se sentir dentro e fora da Penajóia. Testemunhos recolhidos pelo Observador revelam que pagar renda para viver no bairro ilegal não é um cenário incomum. António (nome fictício) paga 300 euros por um quarto onde não tem nada, nem uma casa de banho.

Há um ano, em junho de 2024, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) colocava editais nas portas destas habitações a avisar para a “remoção de construções no terreno” público. Na altura, dizia-se que o problema estaria resolvido em semanas.

Passou um ano. De lá para cá foram demolidas algumas dezenas de habitações, mas o número de pessoas que vivem no bairro ilegal não parou de crescer. A Câmara Municipal não poupa nas críticas ao instituto e acredita que a inação do IHRU vai fazer o país recuar décadas no direito à habitação. Em entrevista ao Observador, Inês de Medeiros diz temer um regresso aos anos 70 “com barracas por todo o lado” e exige ao Estado que “tome o assunto em mãos”, e ao IHRU que “faça o seu trabalho, o levantamento social e defina a estratégia”. Críticas repetidas pelo movimento Vida Justa que fala em duas mil pessoas a viver na Penajóia. A autarquia diz estar completamente às escuras.

Apesar dos pedidos de esclarecimento do Observador, o IHRU não só não respondeu às críticas da Câmara Municipal, como não disponibilizou dados atualizados sobre a população que vive neste bairro ilegal em Almada.

Bairro da Penajóia, em Almada. Abril de 2025. Bairro da Penajóia, em Almada. Abril de 2025. Bairro da Penajóia, em Almada. Abril de 2025.

Bairro da Penajóia, em Almada. Abril de 2025.

Observador

“Tenho medo. Medo de sair e voltar à minha casa em água baixa.” António sai de casa ainda antes do sol nascer, para trabalhar na construção civil, e receia que uma noite regresse sem ter uma casa aonde voltar. E por uma casa, este homem de meia idade e pele escura, com um gorro na cabeça e uma camisola de basquetebol vestida, quer dizer um quarto.

Aceita falar com o Observador sentado dentro de um café, num sofá gasto. O chão é de pedra, com quadrados pintados a preto e branco com a tinta a estalar. Há uma ventoinha junto ao balcão do café que refresca quem entra num dia quente de verão. A conversa alterna entre o português e o crioulo, junto a uma grande mesa de madeira colocada no meio do café.

Diz que a sua história podia ser a de tantos outros, de dificuldades que são sentidas pelas centenas de pessoas que vivem no bairro da Penajóia. “Eu não tenho condições para ajudar ninguém, ainda. Mas solução tenho: é a Câmara Municipal.” Faz em julho de 2025 um ano desde que está a viver em Almada, cidade à qual chama casa depois de ter imigrado de Cabo Verde com um sonho em mente: ser músico em Portugal.

Tomo banho na rua, faço xixi na rua. Pago 300€. Para quê? Só para dormir

Morador do bairro da Penajóia

“Por enquanto estou a lutar para conseguir o que quero. Saí de Cabo Verde, mas tenho de procurar melhores condições de vida. Muitos países estão por aí”, diz enquanto aponta para as paredes do café, e além delas para todo o bairro ilegal. Trabalhou em Loures, e hoje passa a tarde a tomar conta dos filhos do irmão, que brincam com bicicletas na rua de terra batida que fica à frente do café.

Porém, não vive com o irmão, nem com os sobrinhos. Aluga um quarto “ali ao lado” construído “por outra pessoa” pelo qual paga 300 euros. Diz que não é caso único na Penajóia, mas não revela quem lhe aluga o quarto. Critica apenas os “riquinhos” que estão a utilizar o bairro e a “alugar” casas (e neste caso quartos) aos “pobres”. Um quarto, nota, pelo qual “não merecia pagar nada”, sem espaço para mais nada sem ser dormir: “Tomo banho na rua, faço xixi na rua. Pago 300 euros. Para quê? Só para dormir.”

É um relato partilhado pela associação Vida Justa. “As dinâmicas de mercado reproduzem-se nos bairros. Tanto nos bairros auto-construídos, como nos bairros sociais e também nos bairros sem designação social”, explica Beatriz Lopes, membro da associação responsável pela zona de Almada que acompanha a visita do Observador à Penajóia. “O máximo que já ouvi falar foi de 650 euros por uma casa aqui.

Apesar dos valores, há cada vez mais pessoas a procurar casas em bairros como a Penajóia, por causa da pressão imobiliária no país. A Vida Justa contabiliza duas mil pessoas a viver no bairro de Almada, um número que tem estado a aumentar: “Houve uma altura que semanalmente construíam-se mais de dez ou vinte casas”. E as pessoas “não vão parar”, alerta. “Ninguém vai viver debaixo da ponte, ninguém quer viver na rua com os filhos. Temos casos da CPCJ andar a retirar os filhos porque as pessoas vivem aqui no bairro.” O Observador contactou a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), que remeteu esclarecimentos para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Almada. Esta última não deu resposta até à publicação deste artigo.

O que acontece mesmo na Penajóia, está a acontecer em todos os bairros e por isso é que nós conseguimos perceber que é uma consequência da questão sistémica. E, pronto, estamos a falar de preços também. O máximo que eu já ouvi falar foi 650 por uma casa aqui.

Ouvem-se talheres como música de fundo, a bater em pratos durante a hora de almoço. A especialidade? Comida angolana que vai de “feijoada à cachupa”, como se serve no menu de hoje. Não são apenas as pessoas que vivem na Penajóia que procuram os Sabores da Illy para almoçar. “Há pessoas que vêm de outro bairro também, das cidades. Depois, quando ouviram notícias de que havia boas coisas daquela senhora do bairro, vêm para aqui conhecer.

O Observador é recebido pela dona do café, que também pede para não ser identificada durante a conversa. Tira duas cervejas do frigorífico enquanto está encostada ao balcão. Veste um avental vermelho e anda de um lado para o outro com chinelos nos pés. Vive na Penajóia há dois anos com o marido e cinco filhos. A casa “de madeira” foi construída à mão. “Ele trabalha, eu trabalho, os filhos trabalham, construímos com nossa mão, todos os vizinhos ajudam, tudo.”

Já vivia no bairro ilegal de Almada quando o IHRU apareceu, pela primeira vez, em junho de 2024 a afixar editais com ameaças de demolição. A casa desta mulher foi uma das que teve esse aviso colado na porta. Era uma das casas que iriam ser demolidas “no prazo de dez dias”, mas um ano depois por ali continua.

Sim, viemos para aqui porque também eu estava a procurar uma casa, não conseguia encontrar. Estava a morar numa outra casa, mas fomos despejados brutalmente.

Moradora no bairro da Penajóia, dona do café "Sabores de Lilly"

O medo e a dúvida foram respostas naturais. Sentimentos que hoje continuam. Depois dos primeiros avisos deixaram de “investir” na sua própria casa, de a melhorar ou reparar, porque temem que a decisão das autoridades mude de um dia para o outro.

E o que faz esta família se for obrigada a deixar o bairro da Penajóia? “Não sei”, responde a mulher. “Com dinheiro na mão, não conseguimos pagar uma casa. Está a ser muito difícil pensar sair daqui.” É um caso como tantos outros. E o número de pessoas que vivem nestes bairros de Almada está a aumentar, mesmo de acordo com os moradores.

“As casas não estão a aumentar”, mas o número de pessoas que vivem “dentro da mesma casa” cresce a olhos vistos. Hoje serão cerca de duas mil pessoas, um cenário muito diferente de há dois anos, quando esta mulher veio para Almada. “Eram 500 pessoas, agora são mais de mil”. “Viemos para aqui porque eu também estava a procurar uma casa. Fomos despejados brutalmente” da casa que tinham no Cacém. Penajóia foi a única solução.

Há um silêncio absoluto por parte do Estado, porque isto é Estado, o IHRU é Estado, não é outra coisa. Não é possível imaginar que um município, seja ele qual for - mesmo Almada - possa de repente estar a substituir-se completamente ao Estado, é impossível.

Inês de Medeiros, presidente da Câmara de Almada

“Enquanto isto continuar assim, não sei mesmo onde vamos parar, a não ser voltar aos anos 70, com barracas por todo o lado”. Não é um receio da presidente da Câmara de Almada, é antes uma constatação. “Podem ir falar com todos os presidentes de Câmara. Nós estamos a assistir à criação de bairros precários um pouco por todo o país, e em toda a área metropolitana. É uma realidade que está a acontecer, e ou é isso ou é ter pessoas sem abrigo nas ruas. Não sei o que é pior.”

A socialista Inês de Medeiros insiste, em declarações ao Observador, que a autarquia tudo fez para dar melhores condições de vida às centenas de pessoas que chamam casa a Penajóia e ao Raposo, mas falta a intervenção do Estado, nomeadamente do Instituto de Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). “Vou pegar no próprio título do podcast, Onde Pára o Caso – e o caso está parado por parte do IHRU. E em contrapartida, Penajóia continua a crescer e já não é Penajóia, é agora também o Raposo.”

Campanha eleitoral para as eleições autárquicas: Inês Medeiros, candidata pelo PS, à câmara municipal de Almada durante uma arruada. As eleições autárquicas serão realizadas no dia 26 de Setembro.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A última reunião pública entre o IHRU e a Câmara Municipal de Almada aconteceu em outubro do ano passado. Uma reunião na qual ficou estabelecido o compromisso de ser apresentado às autoridades locais um “levantamento social” do número de pessoas e das condições em que vivem nos bairros ilegais de Penajóia e Raposo. Mas de outubro de 2024 a julho de 2025, a Câmara Municipal de Almada denuncia um “silêncio absoluto por parte do Estado“.

“Porque isto é Estado, o IHRU é Estado, não é outra coisa. Não é possível imaginar que um município, seja ele qual for — mesmo Almada — possa de repente estar a substituir-se completamente ao Estado, é impossível.” E hoje, a autarquia continua às escuras sem informações e sem um plano articulado com o Estado central. “Não sabemos o que pretendem fazer. É óbvio que é preciso uma estratégia maior, mais robusta, para estes bairros não se consolidarem. Sabemos que, de vez em quando, vão lá demolir umas casas que estão em construção, mas, para uma que vão demolir, há três que crescem de imediato.”

Há um silêncio absoluto por parte do Estado, porque isto é Estado, o IHRU é Estado, não é outra coisa. Não é possível imaginar que um município, seja ele qual for - mesmo Almada - possa de repente estar a substituir-se completamente ao Estado, é impossível.

Inês de Medeiros, presidente da Câmara de Almada

Almada não tem “capacidade para resolver o problema da Penajóia neste momento”, admite Inês de Medeiros — que tem apenas uma exigência a fazer ao Instituto que gere a habitação em Portugal. “Tome o assunto em mãos. Não me cabe a mim estar a definir estratégias do próprio IHRU e do próprio Estado. Portanto, não exijo nem uma coisa nem outra, exijo que o IHRU esteja presente, que o IHRU faça o seu trabalho, faça o levantamento social e defina a tal estratégia que nos garantiu que iria fazer em poucas semanas, mas que até à data não apareceu.”

São críticas partilhadas pela Câmara Municipal e por ativistas. O movimento Vida Justa concorda com Inês de Medeiros ao notar que o IHRU “desapareceu”. Mas o problema, aos olhos da Vida Justa, não é apenas a falta de soluções. Beatriz Lopes denuncia que os avisos do IHRU aos moradores apenas acontecem com “uma hora ou vinte minutos de antecedência por e-mail”, depois são surpreendidos com “máquinas, com polícia e derrubar coisas para intimidar”.

O IHRU confirmou o início da demolição de construções ilegais no Bairro da Penajóia, em janeiro de 2025, na altura assegurando tratar-se de “construções inacabadas e desocupadas” cuja destruição “não coloca em causa o desalojamento de qualquer família”.

Por isso, o movimento avisa que as duas mil pessoas que vivem na Penajóia vivem num estado de medo permanente. Medo que diz ser confirmado pela forma de atuar das autoridades. “Têm-nos confirmado que o medo é mais que plausível, porque continuam a fazer estas tentativas de intimidação das pessoas. Quem pode derrubar uma vedação, pode derrubar uma casa”. A Vida Justa acredita que a decisão sobre o futuro do bairro, apesar de tardia, há de chegar. E promete uma posição “contra qualquer despejo, sem alternativa para quase duas mil pessoas” que ali vivem.

observador

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